A LICENÇA PARA OPERAR
Houve um tempo em que grandes indústrias
se instalavam em um local e construíam toda a infraestrutura necessária
para sua operação, incluindo vilas de funcionários com casas para as
famílias, clubes, ruas e parques. Nessas comunidades o sentimento de
identificação entre funcionários e empresa era muito grande, pois ela
não só provia seus salários, mas oferecia benefícios de todo tipo para
seu bem-estar.
Os tempos mudaram. As operações de
setores com grande impacto socioambiental, como a mineração e a
indústria de transformação, não têm mais uma relação de amparo com as
comunidades onde atuam. Graças à mobilidade possibilitada pelo avanço
das redes de transportes e comunicação, serviços, mercadorias e
profissionais são contratados fora, e a riqueza circula muito mais do
que antes.
A LICENÇA PARA OPERAR OUTRO ITEM PARA A SUSTENTABILIDADE |
Fonte da imagem primaria:liraambiental.com.br
Como fica a comunidade local nessa história?
Certamente os governos municipais têm um
papel importante na distribuição dos recursos gerados pelas empresas,
por meio do investimento inteligente dos impostos em bens públicos que
vão tornar esse desenvolvimento sustentável, como escolas, rede de
saúde, saneamento, etc. A política é decisiva para a estabilidade das
comunidades hoje, muito mais do que antes; e política democrática se faz
com laços de confiança entre pessoas e instituições. Isso vale para os
agentes econômicos também.
Indústrias hoje precisam se esforçar para
manter o respeito da comunidade em que estão estabelecidas. Já há muito
que não são mais os provedores dos principais bens públicos e tampouco
podem oferecer a enorme quantidade de empregos de meio século atrás,
quando a tecnologia era incipiente e a mão-de-obra menos qualificada.
Elas hoje compartilham o acesso a recursos escassos com outros atores
econômicos locais, além de gerar impactos ambientais aos quais uma
sociedade educada está cada vez mais sensível. Consequentemente, devem
mostrar que as demandas que têm sobre a comunidade são legítimas.
Quando falamos em Licença Social para
Operar (LSO), estamos nos referindo a um modo de pensar o impacto social
de uma operação baseado no reforço dos laços de confiança entre empresa
e comunidade. É uma visão de relacionamento que tem por base as
relações de longo prazo, portanto institucionais. Difere da perspectiva
de Responsabilidade Social Empresarial convencional ao colocar em
primeiro plano a política. A LSO reconhece as relações de poder
existentes entre os grupos sociais, procura entender seus projetos de
longo prazo e não apenas seus interesses momentâneos, valorizando
cidadania corporativa, transparência e compliance. É uma abordagem
sobretudo realista quanto aos ganhos e perdas que uma indústria impõe à
sociedade. Pode ser usada pela empresa para reduzir as perdas e negociar
soluções de soma positiva com as partes interessadas.
A LSO propõe uma comunicação clara de
direitos e responsabilidades entre empresa e stakeholders, com o
compromisso mútuo de se entregar os resultados prometidos. Em uma
palavra, confiança. No setor de mineração, é a abordagem escolhida pelas
principais corporações, e vêm gerando estabilidade em comunidades
vulneráveis à flutuação no preço de commodities. A manutenção da Licença
Social para Operar significa que as partes que têm realmente um projeto
de longo prazo para a localidade, aumentando suas chances de se impor
sobre ações oportunistas, sejam políticas ou econômicas.
No Peru, a mineradora de ouro Minera
Yanacocha, do grupo Newmont Mining, investiu na criação de um fórum
comunitário com verba e poder de decisão sobre a destinação de parte dos
recursos gerados por sua operação, com participação de governo,
sociedade e de uma associação de empresários. Uma decisão de concessão
de poder, que poderia aumentar riscos políticos e econômicos para a
empresa, graças ao voto de confiança depositado na comunidade se
transformou num fator de estabilidade, com o planejamento para o
desenvolvimento sendo feito de forma colaborativa.
No Brasil já há casos de sucesso de
Licença Social para Operar, como o de uma mineradora que envolveu a
comunidade num projeto de agroecologia vinculado a compras locais que
transformou 50 famílias em empreendedores de agricultura orgânica. Essas
famílias juntas passaram a ser atores com poder de influência sobre a
economia da cidade e com investimento pessoal na sustentabilidade desse
arranjo.
A Austrália e o Canadá, cujas economias
dependem muito da mineração, são os protagonistas no emprego dessa
abordagem. Dada a magnitude da indústria extrativa no Brasil, o
potencial para disseminação da Licença Social para Operar é ainda pouco
explorado, dependendo ainda para isso de maior divulgação e mais
oportunidades de capacitação para os profissionais de sustentabilidade.
*Por Fabrizio Rigout que é sociólogo e atua na área de avaliação de projetos sociais da Consultoria Plan Políticas Públicas.
Fonte do texto:fiesp.com.br
ALÉM DA LICENÇA PARA OPERAR:
Quais os benefícios obtidos?
Com apoio das
metodologias, empresas de diferentes setores introduziram consultas
sistemáticas a seus stakeholders. Porém – apesar das experiências cada
vez mais aprofundadas –, existem ainda dúvidas em relação aos resultados
obtidos.
Mas, observando a evolução do tema, será
uma questão de tempo obter dados mais tangíveis para evidenciar esses
resultados, pois essas experiências mostram que, hoje, já há uma série
de vantagens para as organizações e seus públicos de interesse. Entre os
principais benefícios do engajamento podemos citar:
ALÉM DA LICENÇA PARA OPERAR |
- Capacidade de responder a desafios: por
meio de mecanismos de diálogo e obtenção de retorno sobre seu
desempenho social e ético, a empresa consegue identificar e gerenciar
melhor os impactos e responder às necessidades e aspirações de suas
partes interessadas. Isso pode resultar em redução de custos e maior
eficiência das operações.
- Preparação de decisões estratégicas e operacionais:
stakeholders são capazes de ver se o comportamento de uma empresa condiz
com suas aspirações e, assim, posicioná-la melhor para articular suas
opiniões. Uma organização, por sua vez, terá informações mais exatas nas
quais embasar suas decisões.
- Construção dos relacionamentos: engajamento pode apoiar o
aprofundamento das relações baseadas em valor ao longo da cadeia de
fornecimento da empresa e em outros processos de parceria.
- Gerenciamento do risco: diálogos podem ser essenciais para
uma estrutura de controle interno que permita à organização
identificar, avaliar e gerenciar melhor os riscos que surgem de seus
impactos e relacionamentos com as partes interessadas.
- Obtenção da licença social: em muitos casos, o engajamento com as partes interessadas é a melhor maneira de se obter e manter a licence to operate
para negócios cujos impactos são relevantes para as comunidades locais.
Assim, muitas empresas do setor de mineração ou de energia desenvolvem
sistemas gerenciais para as relações com seus stakeholders locais.
Uma ferramenta estratégica
Embora nascido no
âmbito da gestão de riscos, o engajamento com stakeholders é hoje visto
como uma ferramenta estratégica da gestão da empresa, que tem o poder de
reduzir riscos de futuros conflitos e concentrar seus esforços em
tratar os impactos realmente considerados materiais.
O engajamento oferece oportunidades a
todas as partes interessadas. Diálogo, como a forma mais explicita de
engajamento, é a maneira pela qual elas podem identificar e articular
suas preocupações e influenciar as decisões, para que impactos negativos
(como emissões de poluentes, barulho, trânsito, discriminação, falta de
consideração) sejam minimizados, maximizando-se benefícios potenciais
(como emprego, planos de participação, investimento social). À medida
que os assuntos são reconhecidos e debatidos, as partes interessadas
podem se beneficiar das mudanças ou melhorias nas operações.
Reflexões importantes
No mundo corporativo,
percebemos que o engajamento virou uma modalidade de ação na qual muitos
executivos buscam melhorar o desempenho social da empresa ou obter
consenso para temas polêmicos. Porém, mesmo com ferramentas muito bem
elaboradas, muitas empresas praticam ou tentam praticar diálogos que
ainda carecem de resultados e solidez. Isso se deve, sobretudo, a três
fatores:
a) O primeiro ponto importante a
se considerar é que o diálogo com partes interessadas externas trará o
resultado desejado somente se a empresa começar com um bom exemplo e
garantir um envolvimento do público interno. Isso pressupõe,
naturalmente, que a organização cumpra com todos os seus compromissos e
valores em relação ao seu público interno. Nesse ponto, em muitos casos,
as empresas já encontram as primeiras dificuldades, pois será difícil
manter um discurso aberto com públicos externos enquanto a própria casa
não estiver em ordem.
b) O segundo déficit surge por
falta da aplicação de um processo sólido. A empresa deve mapear com
muito critério os seus públicos de interesse e criar um mecanismo que
permita conhecer as suas expectativas. Normas como a AA1000 podem
representar um grande apoio nesse momento, mas atualmente são aplicadas
por poucas empresas.
c) O terceiro elemento é
claramente a falta de análise a respeito do impacto efetivo do
engajamento. A maioria das empresas ou organizações envolvidas com o
diálogo se preocupa com a sua forma e divulgação, e pouco investem em
medir e acompanhar o seu impacto no longo prazo, tanto no ambiente da
empresa quanto para as partes interessadas envolvidas. Importante é,
então, fazer o acompanhamento de desempenho e mensurar o impacto para
todos, e não somente do ponto de vista da empresa realizadora.
Diálogo com stakeholders exige
disciplina para ouvir com a disponibilidade de considerar outros pontos
de vista. Isso não implica que a empresa ou organização precise atender a
todas as expectativas das partes interessadas, mas é imprescindível
responder de maneira adequada. O diálogo oferece oportunidades para
todos: tanto a empresa como seus demais públicos de relacionamento,
internos e externos. À medida que assuntos críticos para a
responsabilidade da empresa são reconhecidos e debatidos, todas as
partes se beneficiam das mudanças ou melhorias nas operações. As várias
metodologias e processos de engajamento são apenas ferramentas que
possibilitam o melhor funcionamento do diálogo e a construção de
resultados e soluções concretas.
A adoção do diálogo como caminho,
entretanto, independe de ferramentas e se relaciona, sobretudo, com os
valores da empresa (ou órgão público) que decide – ou não – adotá-lo
como um caminho para a solução dos desafios da sustentabilidade, de
maneira mais inclusiva, legítima e participativa.
Beat Gruninger é sócio-fundador
da BSD Consulting, membro do Standards Board da AccountAbility,
representante autorizado da Social AccountAbility no Brasil e professor
convidado do GVces sobre gestão das relações com partes interessadas.
Fonte:.ideiasustentavel.com.br