Tecnologia ultrapassada
Ricardo Salles sepulta Política Nacional de Resíduos Sólidos ao incentivar incineradores
Ministro do Meio Ambiente aposta na contaminação do ar, da água e no
fim do sustento dos catadores de materiais recicláveis
São Paulo – Prestes a completar dez anos, a Lei 12.305 de agosto de 2010, que institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos
(PNSR), está cada vez mais longe de sair do papel. A legislação que não
avançou no sentido de transformar o resíduo sólido reutilizável e
reciclável em um bem econômico e de valor social reconhecido, gerador de
trabalho e renda e promotor de cidadania para os catadores, é
descaracterizada em seus princípios e objetivos sob a gestão do ministro
do Meio Ambiente Ricardo Salles. Na agenda de desmonte do serviço
ambiental e redução da participação social não há espaço para metas como
a não geração, a redução, a reutilização, a reciclagem e o tratamento
dos resíduos.
Salles praticamente esquartejou artigos que tratam da elaboração do
Plano Nacional e estaduais de Resíduos Sólidos ao excluir os catadores
de materiais recicláveis das ações que envolvam a responsabilidade
compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos para eliminação e
recuperação de lixões.
E enterrou a possibilidade de inclusão social e emancipação econômica
ao estimular a instalação de incineradores em detrimento da coleta
seletiva com a participação de cooperativas ou outras formas de
associação de catadores de materiais reutilizáveis, tal como previsto na
Política Nacional.
No final de abril, assinou uma portaria
que disciplinou a recuperação energética dos resíduos sólidos urbanos.
Ou seja, as chamadas usinas de recuperação energética de resíduos
sólidos urbanos, que na verdade são incineradores de lixo que produzem
energia térmica ou elétrica durante o processo de queima.
QUEIMA DO LIXO TECNOLOGIA ULTRAPASSADA QUE MINISTRO DO MEIO AMBIENTE QUER USAR NO BRASIL |
Usina em Mauá
Aguardada por empresas interessadas no negócio da incineração, a
medida integra o carro-chefe da sua gestão, o Programa Nacional Lixão Zero.
Entre os efeitos está o projeto de uma dessas usinas em Mauá, no ABC
paulista. Em meados de agosto, a Lara Central de Tratamento de Resíduos
entrou com pedido de licença prévia na Companhia Ambiental do Estado de
São Paulo (Cetesb).
Segundo o estudo e relatório de impacto ambiental (EIA/Rima)
apresentados, o empreendimento tem capacidade de queimar diariamente 3
mil toneladas de resíduos que virão de Diadema, Ferraz de Vasconcelos,
Itanhaém, Juquiá, Mauá, Ribeirão Pires, Rio Grande da Serra, São
Bernardo Campo e São Caetano – que atualmente os encaminham para o
aterro sanitário da Lara em Mauá, próximo da divisa com Ribeirão Pires. A
compensação ambiental prevista é de R$ 2.640.000.
Como determina a legislação, os estudos ambientais da Lara foram
colocados em consulta pública e serão submetidos à aprovação do Conselho
de Meio Ambiente do Estado de São Paulo (Consema). Para subsidiar sua
decisão, o colegiado convocou audiência pública para a próxima quinta-feira (12), às 17 horas, no Teatro Municipal de Mauá.
Para o mesmo dia, às 15 horas, o Movimento Nacional dos Catadores de
Materiais Recicláveis (MNCR) está organizando manifestação diante da
estação da CPTM próxima ao local da audiência pública. “Eles colocam os
incineradores porque, dizem, os lixões na suportam mais. Mas eles não
cumpriram a legislação, não investiram na coleta seletiva e
são poucos os municípios que remuneram o trabalho de coleta dos
catadores”, afirma a catadora Francisca Maria Lima Araújo, da
Cooperativa Reluz, de São Bernardo, e integrante da coordenação estadual
do Movimento.
“Os catadores, que já enfrentam uma situação muito difícil com a
queda nos incentivos municipais ao trabalho das cooperativas, deverão
ficar sem trabalho, sem emprego, com fome. Vai é faltar lixo para um
incinerador com essa capacidade. Sem contar a poluição do ar, das águas e
as doenças que virão”, diz a liderança, que considera ajuizar ação
popular para barrar o empreendimento com tamanho impacto socioambiental.
Câncer
Segundo a Aliança Resíduo Zero Brasil,
a instalação de incineradores e o envio de resíduos sólidos urbanos
para os fornos de fábricas de cimento representam violação à ordem
preferencial fixadas pela PNRS. “Com a queima os resíduos não retornam
para o processo produtivo, desrespeitando premissa básica do processo de
reciclagem, o que implica na maior extração de recursos naturais, para
serem utilizados como matéria-prima”, destacaram integrantes da coalizão
em setembro, durante encontro latino-americano contra a destruição de resíduos sólidos urbanos.
Além disso, o processo de queima de alguns materiais produz uma
classe de substâncias cancerígenas, as dioxinas. Segundo estudos, a
inalação dessas partículas causa diversos tipos de câncer, além de
problemas no sistema imunológico.
A incineração é condenada por procuradores e promotores de Justiça do
Meio Ambiente. No 13º Congresso Brasileiro do Ministério Público,
realizado em Vitória (ES), em abril de 2003, a Associação Brasileira dos
Membros do Ministério Público de Meio Ambiente (Abrampa), se posicionou de maneira contrária.
Um parecer técnico
apresentado ao Ministério Público Federal (MPF) em 2013 traz diversos
argumentos científicos que apontam para os malefícios causados no
processo de incineração. Embora os defensores da tecnologia, como a
Lara, afirmem que há filtros capazes de eliminar as substâncias
resultantes da queima e que a energia produzida com a combustão dos
resíduos é fonte de receita para municípios, a realidade é bem
diferente.
A energia elétrica gerada por incineradores não pode ser considerada
limpa, segundo o parecer, “pois lança na atmosférica gases com elevado
poder de poluição e gera resíduos sólidos com alta concentração de
metais pesados”. E para reduzir a poluição com esses agentes nocivos,
conforme exigência da legislação ambiental, são necessários equipamentos
de tratamento dos poluentes ambientais de alto custo.
E, segundo seus autores, “é questionável o argumento de que a geração
de energia compensará os custos necessários e ainda resultará em
receita para os municípios. Deveria ser ainda contabilizado o aumento
dos custos municipais com a saúde pública, para tratamentos de
bronquites, asmas e doenças alérgicas e do trato respiratório. Em
síntese, o processo de incineração de resíduos demanda alto custo de
implantação, operação, manutenção dos equipamentos de combustão e de
controle de poluição e do monitoramento das emissões poluentes (gás
carbônico, dioxinas e furanos, entre outros)”.
E mais: resíduos remanescentes contêm metais pesados, o que exige
aterro sanitário ou aterro para específico para resíduos perigosos.
“Muitos poluentes não são retidos nos filtros, como por exemplo o
mercúrio (70% do que entra na câmara de combustão é liberado). No
controle das emissões gasosas, pode-se gerar efluentes líquidos em
sistemas de lavagem de gases, demandando a implantação de estações de
tratamento específicas para não contaminar as águas ou solos. É uma
fonte potencial de dispersão de poluentes gasosos ou de cinzas leves
lançados no ambiente. As emissões podem ultrapassar fronteiras, sendo
transportadas a longas distâncias por correntes atmosféricas ou até
mesmo por rios e mares, onde se depositam ou são carreadas”.
Do ponto de vista operacional, há exigência de mão de obra
especializada; o processo de incineração com fins de aproveitamento da
energia térmica não permite reaproveitamento de materiais como
plásticos, matéria orgânica e papeis de alto poder calorífico; e o
reaproveitamento do calor da combustão para gerar energia elétrica vai
na contramão do controle das dioxinas: São recomendadas temperaturas
entre 1.000°C e 1.450°C para evitar a formação dos chamados Poluentes
Orgânicos Persistentes (POPs), o que exige rigoroso controle da
temperatura para que não ocorra resfriamento brusco dos gases após a
queima e propicie a formação de dioxinas.
Saiba mais:
Diretor Técnico-Adjunto do Conselho Regional de Engenharia e
Arquitetura de São Paulo (CREA-SP), o engenheiro Elio Lopes fala sobre
as desvantagens da construção de usinas de energia a partir da queima de
resíduos.
FONTE: redebrasilatual.com.br
Nenhum comentário:
Postar um comentário