Introdução
O texto que segue é um
capítulo reescrito da Dissertação de Mestrado que FOI defendido em 1986, perante o
Curso de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de Santa Catarina.
São informações e o relato do método utilizado na pesquisa de campo realizada
na região central da cidade de Itajaí – SC, sobre a Intenção de Cumprir a Lei.
Por ser uma pesquisa de opinião pública, cujo método é o mesmo usado em
pesquisas eleitorais, quer-se aqui noticiar a maneira pela qual é aplicado este
método, seu grau de credibilidade e eficiência. A idéia é fornecer ao
profissional do Direito que se defronta com uma pesquisa de opinião,
informações que lhe permitam verificar o grau de seriedade e confiabilidade
desta enquete. Mas desde já se quer deixar claro que se as informações abaixo podem
ser um instrumental para avaliar uma pesquisa de opinião, jamais poderão ser usadas
para refutar tal pesquisa: é princípio basilar da ciência que uma pesquisa só
pode ser refutada com outra pesquisa.
Conceitos Básicos
Para que uma pesquisa possa
ter resultados dignos de fé, é necessário que a coleta dos dados seja feita com
a maior precisão possível. Como quando se vai fazer exames médicos em
laboratórios há necessidade de se levar o material para exame num frasco
esterilizado, da mesma forma uma pesquisa científica necessita ter um
instrumental isento de quaisquer impurezas. E como se obtém um instrumental
livre de impurezas nas pesquisas sociológicas? Por diversos mei-os: evitar – no
caso das entrevistas – a inquirição de pessoas determinadas, ou aquelas mais
fáceis de serem localizadas, por exemplo.
No caso das pesquisas de
opinião pública, são exemplos de situações que podem viciar a investigação: o
pesquisador evitar casas em que há cachorros ou em lugares de difícil acesso,
incluir amigos na amostra, ou dela excluir pessoas com quem antipatiza etc.
Destes exemplos, tome-se a inclusão proposital de amigos para explicitar melhor
os cuidados a serem tomados nas pesquisas de opinião. É que os amigos, como se
sabe, são escolhidos por afinidades. Assim, tendem a concordar com os pontos de
vista defendidos pelo pesquisador ou, em linguagem científica, confirmar
hipóteses de trabalho. Pessoas do mesmo grupo profissional também apresentam o
risco de “refletirem o pensamento da humanidade”, ou seja, fazer com que o
observador acredite que “todo mundo” está pensando ou agindo deste ou daquele
jeito. Enfim, é o risco da falácia da generalização apressada.
Para evitar estes e outros
tipos de erros que viciam uma pesquisa e podem colocar por terra todo um
trabalho é que existem os métodos. “Método” é o caminho para chegar a um
objetivo. Um caminho que é feito de regras, as quais lhe dão cientificidade. E algumas
destas regras se traduzem em etapas que se deve seguir, para chegar ao
objetivo.
Este objetivo é a prova
científica, uma verdade relativa, sob eterna verificação e, portanto, sempre e
sempre sujeito à refutação.
A necessidade de constante
refutação decorre da dúvida científica, mola propulsora do conhecimento. Mas a
dúvida científica não pode ser resolvida com uma falácia do tipo argumento de
autoridade, nem com o questionamento irresponsável que decorre da descrença
pela descrença do cético ou da certeza absoluta do fanático: a prova científica
só pode ser refutada com outra prova científica; ao resultado de uma pesquisa
só pode ser contraposto o resultado de outra pesquisa.
A primeira regra da obtenção
da prova científica é ter claro o objeto de pesquisa, ou seja, aquilo que se
quer estudar. Frise-se: o que se quer estudar e não o que se quer provar, pois
se uma pesquisa se inicia com a finalidade de provar alguma coisa, já nasce
viciada. Assim, vê-se que a pesquisa científica é diferente de um processo
judicial: na pesquisa científica se busca verificar a veracidade de uma
hipótese, mas o cientista se dá por feliz tanto se provar que a hipótese é
verdadeira, quanto que é falsa; no processo judicial, quem o inicia o faz
porque já tem a prova para demonstrar sua verdade (ou pelo menos já deveria ter
esta prova). Este objeto de pesquisa deve ser expressado por uma pergunta, que
virá a ser o problema de pesquisa. Se se vai, por exemplo, estudar a intenção de
cumprir a lei, por parte de um determinado universo de pesquisa, o problema se
traduzirá na seguinte pergunta: “As pessoas de um dado universo têm intenção de
cumprir as leis?”
Sabendo-se o que vai ser
pesquisado e tendo-se o problema de pesquisa,para este problema serão
formuladas respostas prováveis: são as hipóteses de pesquisa, a serem testadas
mediante a investigação científica. Há que se ter também o lugar em que se fará
a pesquisa. Este lugar será o universo de pesquisa. Tudo que vai ser pesquisado
deve existir neste universo de pesquisa. Nas ciências sociais, da qual a
Sociologia do Direito é uma delas, existem diversos tipos de pesquisa:
pesquisas quantitativas, qualitativas, estudos de caso, pesquisas documentais
etc. Nas pesquisas quantitativas, se quer saber quantaspessoas pensam, agem ou agirão
deste ou daquele modo; nas qualitativas, se procura saber o que um determinado
grupo pensa, ou como viveu certa situação etc; os estudos de caso muitas vezes
podem ocorrer com uma só pessoa, as partes de um processo judicial etc; a pesquisa
documental pode se basear em documentos primários (quando o próprio pesquisador
produziu ou encontrou o documento) ou secundários (quando o documento foi produzido
por uma outra pesquisa ou o documento original está sendo objeto de nova abordagem).
Evidentemente que os conceitos aqui são resumidíssimos e servem apenas para uma
noção básica dos temas. Doravante, porém, se falará apenas de pesquisas quantitativas
em ciências sociais, com abordagem específica de um método de pesquisa: a amostragem
simples casualizada, que é a utilizada em pesquisas eleitorais e outras em que se
medem opiniões ou intenções de grandes grupos de atores sociais. Exemplos
concretos serão extraídos da dissertação de Mestrado que defendemos em agosto
de 1988, perante o Curso de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de
Santa Catarina, sob o título “A Intenção de Cumprir a Lei” e que se constituiu
no relatório de uma pesquisa de campo no centro da cidade de Itajaí – SC, em
1986.
Numa pesquisa eleitoral, por
exemplo, em que se quer saber a intenção de voto dos eleitores do Estado de
Santa Catarina, o universo de pesquisa será o grupo de pessoas habilitadas a
votar em Santa Catarina, ou seja, os eleitores com domicílio eleitoral neste
Estado.
Em geral, o universo de
pesquisa é determinado pela questão problema. Mas, quando esta é formulada pelo
próprio pesquisador, a escolha pode ser determinada, entre outros fatores,
pelas inclinações pessoais e pelos julgamentos de valor de quem pesquisa. Ao
contrário de viciar sua investigação, o cientista será mais capaz de evitar a tendenciosidade
(“bias”) quando tem esta consciência da que ele escolheu seu universo (SELLTIZ,
1974:36-37).
No caso da pesquisa que serve
de exemplo para este texto, a escolha do universo de pesquisa decorreu do fato
da cidade não ser atípica em relação ao Brasil, do conhecimento geográfico do
lugar por parte do pesquisador e face de menores custos com hospedagem, que se
dava em casa de parentes, uma vez que foi negado financiamento pelo CNPQ.
Em função da questão problema
e do universo de pesquisa, os objetivos do referido trabalho foram os
seguintes:
a) verificar a intenção de cumprir as leis dos elementos1 do
universo de pesquisa;
b) verificar qual é a interferência que têm sobre esta intenção
as variáveis idade, sexo, grau de instrução, profissão, origens étnicas,
religião e situação financeira;
c) informar se existe uma lei ou conjunto de
leis conhecido pelos elementos do universo de pesquisa;
d) descrever os meios
pelos quais a população pesquisada obtém conhecimento sobre as leis;
e)
identificar a quem a população pesquisada atribui a produção das leis e
(f)
verificar o conhecimento que a população pesquisada tem de uma lei municipal
específica.
Um ponto de grande importância
para a realização da pesquisa é o conhecimento da delimitação geográfica e do
contingente populacional do universo de pesquisa. A delimitação geográfica é –
por óbvio – para se saber exatamente onde realizar a pesquisa; o contingente
populacional serve para saber quantas pessoas serão pesquisadas: a totalidade
do universo, se se trata de pesquisa censitária, ou o tamanho da amostra (mediante
cálculo) se pesquisa por amostragem.
A Amostra
Amostra é a parte do universo
de pesquisa que se toma para fazer a pesquisa. Se se quer, por exemplo, saber
se todos os parafusos de uma caixa estão perfeitos, todos os parafusos da caixa
compõem o universo de pesquisa. E tendo a caixa dez mil parafusos, a parte que
for tomada para fazer a pesquisa (300 parafusos, suponhase) será a amostra. A
amostra é uma maneira mais econômica quanto a tempo, esforço e dinheiro, de se
obter as informações desejadas, com alguns elementos do universo de pesquisa,
em vez de com todos (SELLTIZ, 1974:572).
Numa pesquisa de campo em que
se quer saber a opinião das pessoas, há necessidade de selecionar as que serão
ouvidas da maneira mais neutra possível, evitando se, portanto, escolhas
intencionais e subjetivas. Antes porém de selecionar as pessoas que serão
ouvidas, é necessário 1 Elementos do universo de pesquisa, nas ciências
sociais, são as pessoas que o compõem. saber a quantidade de pessoas a ouvir,
ou seja, a quantidade de componentes da amostra. Existem vários métodos para
isso e vale, desde já, esclarecer que não se trata de certo percentual, mas sim
de um número a ser obtido mediante cálculo matemático. O método utilizado na pesquisa
aqui usada como exemplo foi o da Amostragem Simples Casualizada.
O conceito básico de amostragem simples casualizada diz que, se
extrairmos uma amostra de N elementos de um universo de tamanho S, todos os elementos
de S devem ter a mesma probabilidade de estar na amostra. Para assegurar este
critério de equiprobabilidade, geralmente começamos por numerar cada elemento
do universo. Depois disto, será fácil consultar uma tabela de números
aleatórios (...) e ler N números consecutivos. Estes N números identificarão os
elementos do universo que devem ser tomados como amostra. Como a tabela de
números aleatórios é construída baseada no, conceito de equiprobabilidade, o
seu uso assegura que, na extração da amostra, todos os elementos do universo
terão a mesma probabilidade de constituir a amostra, tendo-se então o critério
para a amostragem casualizada. (MAYNARD, 1970:42).
1 O tamanho da amostra foi calculado pelo Prof. MSc. L.C.R. SALVADOR.
Usando este método, foi
calculado1 (no trabalho que serviu de base para este texto) o tamanho da
amostra, considerando-se 3 elementos:
1 = Tamanho da amostra
determinado estatisticamente;
2 = Na existência de grupos
distintos da população, os mesmos devem ser representados de forma
proporcional;
3 = As amostras devem ser
selecionadas de forma aleatória (igual probabilidade de sorteio para todos os
elementos).
1 - Tamanho da Amostra:
Foi calculado através da
seguinte fórmula:
M = N.z2.p’ q’
(N – 1)e2 + z2 p’ q’
onde
M = tamanho da amostra
N = tamanho da população
Z = número de unidades de
desvio padrão, de acordo com a probabilidade escolhida para ocorrência da
diferença máxima entre os resultados da amostra, em relação aos verdadeiros
percentuais da população.
PROBABILIDADE Z
90% 1,64
95% 1,96
99% 2,58
O número de unidades de desvio
padrão igual a 1,96 é o mais usual e, por isso, foi utilizado no cálculo desta
amostra.
e = diferença máxima admitida
entre os resultados percentuais da amostra em relação aos verdadeiros
percentuais da população (3% a 6%).
p’ = percentual de respostas
favoráveis a uma alternativa;
q’ = percentual de respostas
desfavoráveis a uma alternativa;
Devem ser considerados os
percentuais da alternativa que apresentar maior variância (produto entre p’ e
q’). O maior valor possível ocorre para p’= q’= 0,5.
2 – Representatividade
(proporcional)
Apesar de se tratar de
pesquisa de opinião, a escolha dos entrevistados se deu por domicílio. A
representatividade levou em conta os tipos de residência (casas de madeira,
casas de alvenaria e apartamentos) e as ruas em que se localizavam.
3 – Sorteio da Amostra
O sorteio da amostra foi
efetuado por domicílio, em cada qual seria entrevistada a primeira pessoa que
atendesse à porta (critério aleatório) e que correspondesse ao perfil
previamente traçado (ser totalmente capaz2, não freqüentar ou ter freqüentado
curso de Direito e residir no universo de pesquisa). Caso a pessoa que viesse a
atender à porta não preenchesse tais requisitos, ser-lhe-ia solicitado que
chamasse outro morador.
O contingente populacional
pode ser obtido mediante banco de dados (por exemplo: justiça eleitoral, em se
tratando de pesquisa de intenção de voto; consumidores de água ou energia
elétrica cadastrados, em se tratando de outras pesquisas etc).
2.
Conforme os artigos 5o e 6o do Código Civil então em vigor (LEI 3071 DE
01/01/1916), são totalmente capazes para os atos da vida civil os maiores de 21
anos que não sejam loucos, nem surdos-mudos sem possibilidade de expressão da
própria vontade, nem pródigos; que não estejam ausentes (declarados tais por
ato do juiz). Apesar de, na época da pesquisa, os silvícolas serem considerados
relativamente capazes, não surgiram tais como moradores dos domicílios
sorteados. Também são totalmente capazes os emancipados.
Não havendo um cadastro exato do contingente
populacional existente no universo de pesquisa, há que se recorrer a meios que
garantam confiabilidade à contagem. No caso da pesquisa aqui usada como
exemplo, foi efetuada a contagem manual de domicílios, chegando-se a 2.448 residências,
divididas entre apartamentos, casas de alvenaria e casas de madeira. A este número
foi aplicada a fórmula acima descrita, resultando no seguinte:
N = 2448
z = 1,96
e = 0,05
p’= 0,5
q’= 0,5
M = 2448. (1,96)2 . (0,5)
(0,5) = (2448) (0,9604)_ = 2351,0592 = 332,16903
(2448 – 1) (0,05)2 + (1,96)2
(0,5) (0,5) 6,1175 + (0,9604) 7,0779
Portanto, M = 332,16903 ~ 333.
Por segurança, pode-se
aumentar um pouco a amostra (nunca diminuí-la) e, no caso usado como exemplo, a
amostra teve 351 elementos. Nem sempre, porém, se pode fazer a pesquisa por
amostragem. Um pequeno universo de pesquisa comportará somente o censo, já que
seu tamanho dificilmente possibilitará uma amostra representativa.
O Sorteio da Amostra
A fórmula que foi mostrada no
item anterior dá a quantidade de componentes do universo que é suficiente para
garantir uma probabilidade de 95% de que a amostra represente a totalidade do
universo. Ou seja, em cada 20 amostras, uma delas pode não representar o
universo, ou pode não refleti-lo corretamente. Uma amostra em que esta
probabilidade fosse de 99%, em vez de 95%, giraria em torno de 600 elementos.
Todavia não é só esta
quantidade de elementos da amostra que lhe vai dar confiabilidade: o sorteio de
quem a comporá é que é a chave da sua representatividade. Desnecessário dizer, portanto,
que a neutralidade na operacionalização do sorteio é que vai garantir sua
isenção. Esta neutralidade não significa que se deve abrir mão de qualquer
controle sobre o sorteio. O controle é necessário para garantir que as
diferenças existentes no universo de pesquisa sejam devida e proporcionalmente
representadas na amostra. Assim, se há no universo de pesquisa 49% de homens e
51% de mulheres, a amostra deve conter esta proporção; se há 85% de católicos e
15% de outras religiões, também esta diversidade há que se refletir na amostra
e assim por diante. Estas diferenças devem, entretanto, ser conhecidas antes do
sorteio, mas somente serão levadas em conta se interessarem ao objetivo da
pesquisa. Como hoje, em geral, o sorteio é feito por computador, as diferenças
do universo devem ser informadas à máquina que fará a escolha. No caso da
pesquisa que serviu de base a este texto, a única informação prévia que havia –
e que foi registrada no computador - era a quantidade de casas de alvenaria, de
madeira e apartamentos existentes no universo, e as ruas em que se encontravam.
O sorteio indicou, na Rua X, por exemplo, a 4ª, a 10ª, a 15ª e a 20ª casa de
alvenaria; a 3ª, 10ª e 14ª casa de madeira e o 20º, 25º e 30º apartamento; na Rua
Y, a 1ª, 8ª e 12ª casa de madeira, a 6ª, 18ª e 30ª casa de alvenaria e o 5º, 6º
e 13º apartamento. E assim por diante. Além dos domicílios que compuseram a
amostra, também foram mapeados 41 que serviram como reserva, os quais foram
usados para os casos em que não foi possível entrevistar alguém no domicílio
originalmente sorteado. Os casos de impossibilidade de entrevista foram os
seguintes: recusa de ser entrevistado, não haver no domicílio quem preenchesse
os requisitos para ser entrevistado, viagem prolongada do morador, constatação
de que não se tratava de imóvel usado como moradia, demolição do prédio
posteriormente à contagem e ser a pessoa entrevistada excessivamente falante, calada
ou obtusa, a ponto de inviabilizar a entrevista. O mapa da pesquisa, contendo
os endereços para entrevista, é não só o guia para a realização da pesquisa,
mas também a prova de que esta se realizou. Convém lembrar, porém, que as
informações constantes do mapa (que permitem se associe a entrevista à pessoa
do entrevistado) são protegidas pelo sigilo profissional.
Ainda sobre a necessidade de
conhecimento prévio do universo de pesquisa: deste conhecimento decorrem
informações a respeito da diversidade dos elementos que compõem aquele
universo: se se trata de bairro de classe econômica “A”, “B” ou “C”, se
predominam determinadas profissões etc. Uma pesquisa de mercado requer informações
prévias do universo diferentes de uma pesquisa eleitoral, por exemplo.
Algumas variáveis que venham a
ser consideradas na pesquisa podem não permitir uma prévia determinação. No
caso acima exemplificado (casas de alvenaria, apartamentos e casas de madeira)
é possível previamente determinar aquelas a serem visitadas pelo pesquisador.
Mas há outras variáveis que não são adredemente verificadas: sexo, profissão,
religião etc. Estas precisam ser controladas durante a pesquisa. E até o período
ou a hora da entrevista podem influenciar no aumento ou diminuição das
variáveis, nelas incluída a boa ou má vontade para atender o pesquisador. No
caso da pesquisa que serviu de base para este texto (A Intenção de Cumprir a
Lei), observou-se o seguinte:
a) entrevistas em dias úteis,
no período comercial (08 às 12 e 14 às 18h) faziam com que predominassem
mulheres e aposentados;
b) aos sábados à tarde as
mulheres cuidavam de afazeres domésticos, mesmo quando tinham atividade
profissional fora de casa:
c) as pessoas, já em 1986,
ficavam com medo de atender estranhos à noite (a partir da hora que escurecia);
d)as manhãs de domingo eram
boas ocasiões para entrevistas: as pessoas estavam descansadas e com boa
vontade. Mas as entrevistas deviam começar às 8h30min e terminar às 11h30min,
pois a esta hora começam a chegar os convidados para o almoço dominical, já que
é costume reunir outros membros da família nesta ocasião (tios, primos, avós
etc). Nas tardes de domingo, as entrevistas deviam começar a partir das 15h,
pois até esta hora as pessoas dormiam (faziam a sesta);
e) entre 20 e 21h as pessoas
não gostavam de atender, pois assistiam ao Jornal Nacional da Rede Globo;
também não gostavam de atender durante jogos de futebol;
f) aos sábados à noite as
pessoas costumavam sair de casa a título de lazer;
g) houve casos em que
terceiros, que acompanhavam o entrevistado, interferiram nas respostas.
Crianças chegavam a desmentir os pais, em respostas que achavam falsas. Por
isso o ideal é estar só o entrevistado e o pesquisador.
h) Pessoas que moram em
edifícios costumavam relutar a atender o pesquisador; quando o edifício possuía
porteiro eletrônico, a quantidade de recusas à entrevista era maior;
i) Em geral havia muita
desconfiança com desconhecidos, principalmente nas classes econômicas e/ou
sociais3“A” e “B”, situação que se resolvia se o pesquisador tivesse alguma
atividade paralela bem vista (estudante de medicina, por exemplo) ou pertencesse
a alguma família conhecida no lugar;
j) nos locais de trabalho dos
entrevistados havia mais interrupções durante a entrevista, mas as entrevistas
em casa – apesar do local ser mais apropriado –apresentavam os problemas acima
narrados.
O Instrumento de Pesquisa
Há diversos instrumentos para
realizar pesquisas sociais (anotações de observações, entrevistas,
questionários e outros). A entrevista se caracteriza pela presença do
pesquisador junto ao pesquisado, enquanto que o questionário se caracteriza
pela remessa ao pesquisado, que o preencherá e fará a devolução ao pesquisador.
A entrevista permite maiores observações por parte do pesquisador, mas
exige-lhe maior tempo e deslocamento, que se traduzem em maiores custos. O
questionário, se por um lado torna a pesquisa menos dispendiosa – pois é
preenchido pelo próprio componente da amostra –apresenta também seus
inconvenientes: risco de extravio pelo componente da amostra, desinteresse
deste em responder ou falta de educação formal que lhe permita entender e responder
aos questionamentos, conforme aponta SELLTIZ (1974:270).
Quando são feitas entrevistas
em pesquisas quantitativas, é conveniente a padronização das perguntas, para
assegurar que todos responderão as mesmas indagações. As perguntas, porém,
podem ter alternativas fixas ou serem “abertas”.
A característica
distintiva das perguntas abertas é o fato de apenas apresentarem uma questão,
mas não apresentam nem sugerem qualquer estrutura para a resposta; a pessoa tem
a oportunidade de responder com suas palavras e com o seu quadro de referências.
(SELLTIZ, 1974:270).
3 Classes sociais “A” e
“B” são aqui entendidas com as formadas por aqueles que não têm poder
aquisitivo para tanto, mas se comportam como as classes econômicas “A” e “B”.
São os chamados “nobres sem fortuna”.
não se tem noção das prováveis
respostas dos entrevistados, problema que é causado, em geral, quando não são
conhecidas pesquisas anteriores sobre o mesmo tema. Mas se as perguntas abertas
permitem maior espontaneidade do entrevistado e lhe dão oportunidade de
responder com suas palavras e seu quadro de referências, por outro lado
implicam – em se tratando de pesquisas quantitativas – num custo
significativamente maior do que as perguntas com alternativas fixas. Mesmo
existindo atualmente programas de computador que permitem a contagem de
palavras, sua tabulação e colocação em gráficos, estes programas ainda não
conseguem contar idéias expressas por palavras diferentes. Ou o fazem com
imprecisão, pelo menos. Assim, as perguntas abertas precisam ser, após as entrevistas,
ser fechadas, até para adquirirem algum significado. Se se quer saber, por exemplo,
se as pessoas gostam de farinha de mandioca e algumas dizem gostar de pirão, outras
de farofa, outras da farinha pura, todas estas variações de respostas a
perguntas abertas poderiam ser resumidas num “sim” ou “não”. No exemplo,
teríamos uma pulverização de respostas sem o resumo (1. não gostam; 2. Gostam
de pirão; 3. Gostam de farofa; 3. Gostam de farinha de mandioca) e uma
concentração com o resumo (1. Não gostam; 2. Gostam). Se em 6 pessoas, 3
dissessem “não gosto” e 1, “pirão”, 1 “farofa” e 1 “farinha de mandioca”, a
quantidade de não (3) seria maior que sim (1), pois gostar de pirão e gostar de
farofa poderiam ser excluídos da conta “gostar de farinha de mandioca”. Com o resumo,
teríamos 3 “não gostam” e 3 “gostam”, pois pirão e farofa seriam considerados “gostar
de farinha de mandioca”. Resulta, pois, que, nas perguntas abertas, após as entrevistas
estas acabam tendo de ser fechadas, para que se possa ter uma contagem melhor e
mais significativa.
Quando se faz cruzamento de
variáveis, as perguntas abertas também se mostram problemáticas – em se
tratando de pesquisas quantitativas. Um leque muito grande de variações de
respostas pode gerar cruzamentos sem significado algum, face à excessiva pulverização
de variáveis. Estes cruzamentos servem para verificar o quanto uma variável influencia
em outra, para verificar a consistência de respostas (se respondeu “a” na
pergunta 2, deveria responder “c” na pergunta 8, por exemplo) etc. Por exemplo:
quer-se saber se a idade influencia na tendência ao cumprimento da lei.
Tomam-se, na pesquisa que serviu de base a este texto, as respostas à pergunta
em que se inquire se o entrevistado se considera uma pessoa que cumpre as leis
e se a cruza com a pergunta relativa às faixas etárias.
Verifica-se que dizem sempre
cumprir a lei 45% dos que têm entre 21 a 30 anos; 71% dos que tem entre 31 a 40
anos; 71% dos que estão entre os 41 e 50 anos; 86% dos que tem de 51 a 65 e 87%
dos que têm mais de 65 anos. E se conclui que, à medida que aumenta a idade,
aumenta a intenção de cumprir a lei. Percebe-se que, se há uma variação muito grande
de faixas etárias (21 a 25 anos; 26 a 30 e assim por diante) pode-se ter um quantidade
de pequenos percentuais que não permita inferências estatísticas seguras. Daí porque
as perguntas abertas, com grande diversidade de respostas, podem inviabilizar pesquisas
quantitativas ou deixar-lhes com pouco significado. Enfim, o ideal – para que
se possa ter significados estatísticos apreciáveis – é que o número de
variações de resposta numa determinada pergunta gire em torno de dez. E, pois,
para evitar um trabalho posterior de aglutinação (para fins de “fechamento”) de
várias respostas abertas, conclui-se que, em pesquisas quantitativas,
especialmente aquelas em que se quer cruzar variáveis, o tempo (e, conseqüentemente,
as despesas) serão menores se – sempre que possível – as perguntas tenham
alternativas fixas.
As perguntas abertas também
são conhecidas como de “resposta espontânea” e as fech adas, ou com
alternativas fixas, de “resposta induzida”. Nas pesquisas eleitorais, por
exemplo, abertas são as perguntas em que se questiona o entrevistado sobre quem
ele votaria, sem apresentar- lhe uma lista de candidatos; fechadas são as
perguntas em que, ao se inquirir o entrevistado, lhe é mostrada uma lista de candidatos.
Mas a leitura de alternativas pelo entrevistado, ou a indicação oral destas alternativas
também tem seus inconvenientes: no caso da leitura, ele pode – por preguiça de ler
– optar pela primeira alternativa; no caso da indicação oral (leitura pelo
pesquisador em voz alta), o entrevistado pode memorizar somente as últimas
alternativas e por elas optar.
Assim, o ideal é ter-se, na
caderno de anotações (ou aparelho em que são digitadas as respostas) as
alternativas prováveis, sem indicá-las ao entrevistado, e assinalá-las quando da
resposta. Salvo, evidentemente, se o objetivo da pesquisa é comparar produtos
ou preferências, quando então será parte da entrevista oportunizar ao
entrevistado opões entre “a”, “b” ou “c”. De se ponderar que a existência de
alternativas prováveis, para serem assinaladas pelo pesquisador, conforme o que
responder o entrevistado, pode exigir – por parte daquele - um certo juízo de
valor, ao ter que aproximar respostas dadas pelo entrevistado com o sentido das
alternativas que tem para assinalar. Este é um risco que deve ser assumido, em
prol da diminuição de despesas da pesquisa e da supressão de um trabalho muito
desgastante e penoso que é o “fechamento” posterior de respostas.
Tanto a entrevista quanto o
questionário, tanto as perguntas abertas quanto as alternativas fixas exigem
uma série de cuidados quando da elaboração das perguntas.
Alguns destes cuidados são os
seguintes:
a) as perguntas devem ser
fáceis de entender, para que possam ser compreendidas por pessoas com qualquer
grau de instrução (salvo, evidentemente, se a pesquisa for dirigida a um
universo composto de pessoas com o mesmo grau de instrução, ou quando a
mensuração do grau de compreensão faz parte do objeto da pesquisa);
b) pode ser muito difícil a
comunicação de uma pessoa com alto grau de informação e/ou instrução escolar
com outra pessoa de baixo grau de informação e/ou instrução;
c) perguntas difíceis, que
exijam algum raciocínio do pesquisado, devem ir no início da entrevista, para
não lhe esgotar logo a paciência; mas não podem estar as primeiras, para não
espantá-lo;
d) pessoas com maior grau de
informação e/ou instrução podem relutar em dizer que não sabem alguma coisa, ou
se irritarem diante de uma pergunta corriqueira cuja resposta desconhecem;
e) as perguntas devem se
referir a fatos concretos e passados. Se se quer saber se o entrevistado gosta
de cinema, não se pergunta: “O(a) Sr(a). gosta de ir ao cinema?”. Nem tampouco
perguntas do tipo: “Se na sua cidade existissem mais cinemas, o (a) Sr(a).
assistiria mais filmes?”. O correto é perguntar: “O Sr(a). foi ao cinema no
último mês”?. Ou se pode também perguntar variações do tipo: “Quantas vezes
o(a) Sr(a). foi ao cinema nos últimos seis meses?”;
f) a gravação da entrevista,
em lugar da anotação, pode constranger o entrevistado, ou deixá- lo pouco à
vontade para dar as informações que o pesquisador deseja;
g) a quantidade de perguntas a
serem feitas a entrevistados em pesquisas quantitativas deve ser pequena, sendo
ideal fazer em torno de dez perguntas, pois: g.1) há menos desgaste do pesquisador;
g.2) o custo da pesquisa é menor; g.3) o entrevistado não se cansa de responder
nem se aborrece com o tempo gasto; g.4) a tabulação e análise dos dados fica
mais compreensível, já que o excesso de perguntas pode, inclusive, torná-la de difícil
compreensão, ou torná-la extremamente cara;
h) nas pesquisas
quantitativas, é recomendável que as perguntas que não forem com alternativas
fixas (a serem apresentadas ao entrevistado), contenham respostas prováveis, a
serem assinaladas (pelo pesquisador); mas sempre convém deixar espaço em branco
para uma resposta não prevista;
i) na elaboração de perguntas
devem ser evitadas expressões que gerem emoções (salvo quando fizerem parte do
objeto de pesquisa); exemplos de expressões que geram emoções: “procurar seus
direitos” (traz a conotação de conflito); “ficar em situação difícil” ou
“meter-se em complicações” (em geral significam transgressão de leis ou de
regras morais, ou, ainda, participação em confusões, sendo, assim, termos que
podem ser vistos como ofensivos);
O primeiro roteiro de
entrevista ou questionário que se elabora não é o definitivo, pois se deve
fazer um pré-teste. Pré-teste é a aplicação prévia do roteiro da entrevista ou
questionário da pesquisa, com a finalidade de verificar se as perguntas estão bem
formuladas, se estão compreensíveis, numa ordem agradável etc. Só depois de verificar
se as perguntas estão inteligíveis, se os entrevistados estão se comportando positivamente
perante elas e o pesquisador, é que se fará a versão definitiva do instrumento de
pesquisa.
Análise dos Resultados e
Relatório de Pesquisa
A aplicação do instrumento de
pesquisa será o momento em que se irá a campo para efetuar as entrevistas. Após
esta aplicação, será feita a análise das informações coletadas com verificação
de hipóteses, seja pela leitura do conjunto de respostas, seja pelo cruzamento
de variáveis. O passo seguinte é a elaboração do relatório de pesquisa. Este relatório
– que é a comunicação ordenada e em linguagem científica do resultado da pesquisa
– tanto pode ser dirigido à comunidade científica (se se trata de pesquisa pura
ou aplicada para fins meramente científicos), ou a quem encomendou (se se trata
de pesquisa eleitoral ou de mercado). Quando o relatório é uma comunicação à
comunidade científica, pode se traduzir num trabalho de conclusão de curso,
numa dissertação de mestrado ou tese de doutorado, ou num relato a quem
financiou a pesquisa.
Considerações Finais
Não se pretendeu aqui
discorrer sobre métodos estatísticos, as apenas trazer algumas informações da
estatística quando usada nas pesquisas sociais. Há outros pontos (especialmente
sobre estatística) que ficaram de fora, os quais podem ser estudos em obras
específicas desta ciência. Mesmo em se tratando de pesquisa social, nem de longe
se pretendeu aqui esgotar o tema, mas apenas compartilhar informações
assimiladas quando da realização da pesquisa que foi relatada em nossa
dissertação de mestrado e que poderão auxiliar o profissional do Direito quando
este se defrontar com a análise de alguma pesquisa. Se este texto motivar
profissionais do Direito e enveredarem pelos caminhos da pesquisa em Sociologia
do Direito, estará aí nossa maior gratificação.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
MAYNARD, H. B. Manual de
Engenharia de Produção. Tradução de Adilson Simões, Clóvis Martins Filho e
Geraldo Oppenheim. São Paulo, EdgardBlücher Ltda./EUSP, 1970. 239 p.
SELLTIZ, Claire et alii. Métodos
de Pesquisa nas Relações Sociais.
Tradução de Dante
Moreira Leite. São Paulo, E.P.U., 1974. 687 p.
Fonte do texto doTrabalho:João Marques Brandão Néto
Mestre em Direito - Procurador da República em Blumenau – SC / www.prpe.mpf.mp.br