A Tecnologia de Pirólise no Contexto da Produção Moderna de Biocombustívies: Uma Visão Perspectiva
Este material aborda o estado atual e as perspectivas de desenvolvimento para a tecnologia de pirólise no contexto mais abrangente das fontes renováveis de energia.
1. Introdução
Este material aborda o estado
atual e as perspectivas de desenvolvimento para a tecnologia de pirólise
no contexto mais abrangente das fontes renováveis de energia.
Apresenta-se a tecnologia convencional para a obtenção de carvão
vegetal, suas principais características técnicas e operacionais. A
pirólise não convencional é considerada sobre a base do atual
desenvolvimento tecnológico e suas perspectivas futuras.
No
Brasil a tecnologia de pirólise rápida é uma novidade em termos de
implementação, sendo verificada a existência de só uma unidade piloto
para testes e demonstração da tecnologia. A planta tem uma capacidade
nominal de 100 kgh-1 (base seca), e pertence à Universidade Estadual de
Campinas-UNICAMP. Tal unidade é operada na forma de testes para pesquisa
e desenvolvimento da tecnologia pelo grupo de bio-combustíveis da
própria Universidade, o qual agrupa pesquisadores e professores do
Núcleo Interdisciplinar de Planejamento Energético-NIPE e da Faculdade
de Engenharia Agrícola-FEAGRI da UNICAMP, e os sócios da Bioware
Tecnologia, pequena empresa de base tecnológica incubada na Incubadora
de Empresas de Base Tecnológica-INCAMP também da UNICAMP.
São
abordados alguns dos aspectos mais relevantes na atual situação de
desenvolvimento da tecnologia de pirólise rápida e que se constituem em
barreiras, tais como, scale-up da tecnologia, redução de custos,
aprendizado, disseminação de informações acerca do bio-óleo e da
tecnologia, entre outros. Finalmente, são discutidas as possíveis
tendências e os desafios para a tecnologia em um horizonte de curto e
médio prazo.
2. A Pirólise e o Processo Convencional: Conceituação
A
pirólise pode ser definida como a degradação térmica de qualquer
material orgânico na ausência parcial ou total de um agente oxidante, ou
até mesmo, em um ambiente com uma concentração de oxigênio capaz de
evitar a gaseificação intensiva do material orgânico. A pirólise
geralmente ocorre a uma temperatura que varia desde os 400°C até o
início do regime de gaseificação intensiva.
Os gases, líquidos e
sólidos são gerados em proporções diferentes, dependendo dos parâmetros
considerados como, por exemplo, a temperatura final do processo, pressão
de operação do reator, o tempo de residência das fases sólidas,
líquidas e gasosas dentro do reator, o tempo de aquecimento e a taxa de
aquecimento das partículas de biomassa, o ambiente gasoso e as
propriedades iniciais da biomassa. O principal objetivo no processo de
pirólise é a obtenção de produtos com densidade energética mais alta e
melhores propriedades do que àquelas da biomassa inicial. Na Tabela 1 se
mostram os principais processos mais comumente conhecidos para se
realizar a pirólise de materiais lignocelulósicos.
O processo de pirólise mais usado é a carbonização para a produção de carvão vegetal de madeira para a produção de energia.
Tabela 1. Principais processos básicos de pirólise | |||||
Variantes do processo | Tempo de residência | Taxa de aquecimento | Ambiente de reação | Temperatura máxima de porólise, oC | Produtos obtidos |
Carbonização | Horas/dias | muito pequena | Produtos da combustão | 400 - 450 | carvão vegetal |
Convencional | 5- 30 min | pequena | Produtos primários y secundários | Até 600 | bio-óleo, carvão e gás |
Rápida | 0,5 - 5 seg | de moderadas para altas | Produtos primários | 500 - 550 | bio-óleo |
Flash: | Produtos primários | ||||
Líquido Gás |
menor de 1 seg menor de 1 seg |
alta alta |
menor de 650 menor de 650 |
bio-óleo produtos químicos e gás combustível | |
Vácuo Hidropirólise |
2 - 30 seg menor de 10 seg |
moderadas alta |
vácuo H2 y produtos primário |
400 menor de 500 |
bio-óleo bio-óleo e produtos químicos |
Metanopieólise | menor de 10 seg | alta | CH4 y produtos primários | maior de 200 | produtos químicos |
No Brasil, maior produtor mundial de carvão vegetal do mundo, esse
produto é usado, principalmente, na indústria como agente redutor e
fonte de energia na fabricação de ferro-gusa e aço. Quantidades bem
menores de carvão vegetal são usadas no setor residencial para a cocção
de alimentos, principalmente em regiões rurais, além de aquelas
comercializadas como carvão vegetal para churrasco.
No Brasil, a
Vallourec & Mannesmann Tubes do Brasil (V&MT) desenvolveu um
forno retangular de alta capacidade para a fabricação de carvão vegetal a
partir de madeira e recuperação do alcatrão. Esse forno opera para o
fornecimento de carvão vegetal para as empresas produtoras de
ferro-gusa, substituindo os fornos redondos tradicionais usados nas suas
antigas instalações. O forno aumenta o rendimento da carbonização, a
utilização de produtos derivados, a produtividade, a qualidade do carvão
vegetal, além de melhorar as condições ambientais e ocupacionais. A
reciclagem de produtos (gases) é usada como fonte de energia durante a
carbonização e para iniciar novos ciclos de carbonização.
O
alcatrão é recuperado e armazenado para uso posterior para a produção de
energia ou para a obtenção de produtos mais valiosos por meio da sua
destilação. A empresa BIOCARBO INDÚSTRIA E COMÉRCIO LTDA. agrega valor a
este subproduto da pirólise por meio da sua destilação fracionada,
embora com rendimentos muito baixos de aproximadamente 50% (em massa),
obtendo-se produtos químicos que já têm mercado na Europa e os Estados
Unidos.
Uma avaliação termodinâmica global simplificada deste processo de carbonização oferece os resultados mostrados na Tabela 2.
A
partir da década de 90 começaram a ser desenvolvidas tecnologias e
equipamentos de pirólise mais eficientes visando a sua utilização na
produção de carvão vegetal. O principal objetivo destes empreendimentos
tecnológicos foi o de aumentar o rendimento gravimétrico da fase sólida,
diminuir o tempo de fabricação do carvão aumentando a eficiência
energética do processo, melhorar tecnicamente alguns processos
intermediários, além de recuperar os líquidos e gases como fontes de
energia ou para outras finalidades. A seguir, são descritos alguns
equipamentos e tecnologias desenvolvidas para melhorar a produção de
carvão vegetal.
Tabela 2. Parâmetros termodinâmicos globais do processo V&MT2 |
||||
Forno 1 | ||||
Parâmetros | Produção de carvão vegetal | Produção de Bio-Óleo | ||
Madeira | Carvão Vegetal | 1o sistema | 2o sistema | |
Quantidade, ton3 | 75 | 25 | 2 | 4 |
Eficiência gravimétrica do processo, % | 33 | 84 | 154 | |
Propriedades químicas do carvão vegetal |
Teor de umidade = 4,5 3
Teor de carbono fixo = 74 3
|
|||
Total de bio-óleo produzido (ton/mês) | 350 | |||
Total de bio-óleo comercializado (ton/mês) 6 | 30 - 50 | |||
Total de bio-óleo combustionado (ton/mês) | 300 - 320 | |||
1 Forno retangular metálico com sistema independente de recuperação dos compostos voláteis e ciclo de corbonização de 14 dias 2 Valores médios 3 Base seca. 4 Base carvão vegetal produzido 5 Base úmida 6 Comercializado pela BIOCARBO INDÚSTRIA E COMÉRCIO LTDA, Brasil |
3. A Pirólise de Elevado Rendimento Gravimétrico da Fase Sólida
Um
rendimento de carvão vegetal entre 38 e 48% foi obtido no Hawaii
Natural Energy Institute-HNEI, da Universidade do Havaí. O processo
baseia-se na pirólise sob pressão elevada, com taxas de aquecimento e
temperatura final controladas, em um reator de leito fixo. A mistura de
biomassa age como um catalisador na reação de pirólise, aumentando o
rendimento de carvão vegetal. Devido à alta pressão, as fases de vapor
da pirólise (H2O e líquidos da pirólise) estão em contato efetivo com as
fases sólidas, maximizando a formação de carvão vegetal. O poder
calorífico, teor de carbono fixo e de voláteis no carvão foram
semelhantes a outros carvões comercializados [2].
4. O Processo Contínuo de Produção de Carvão Vegetal e de Melhoramento Energético da Biomassa
A
empresa ACESITA desenvolveu um processo contínuo de pirólise para a
produção de carvão vegetal com recuperação de líquidos que esteve em
operação no final da década de 80 e início dos anos 90. O conceito deste
tipo de forno concebia a recirculação dos gases da pirólise para queima
e aproveitamento da sua entalpia sensível. A tecnologia previa também a
separação e recuperação dos líquidos da pirólise. Os rendimentos médios
alcançados em carvão vegetal e alcatrão foram de 33 e 11%
respectivamente. A planta, com capacidade de processamento de 0,5 tonh-1
de madeira, produzia em torno de 0,2 tonh-1 de carvão vegetal. Esta
unidade se encontra atualmente desativada.
Nos últimos anos
tem-se verificado também uma evolução em relação ao conceito de processo
de torrefação. A torrefação é considerada um processo de pré-pirólise
durante a qual são liberadas desde a partícula de biomassa durante seu
aquecimento a taxas controladas, somente água e algumas das substâncias
voláteis mais leves (menor peso molecular). Este procedimento
tecnológico apresenta um potencial muito promissor quando se trata do
desenvolvimento de novos materiais que possam competir no mercado dos
energéticos densos de biomassa, como é o caso da lenha e o carvão
vegetal de lenha.
A principal vantagem deste conceito é que a
biomassa, previamente densificada, pode alcançar melhores propriedades
energéticas através do tratamento termoquímico da sua estrutura
morfológica, melhorando-se as suas propriedades físico-químicas.
Trate-se, por outro lado, de uma alternativa tecnológica que tende a
reduzir os negativos impactos ambientais produzidos pelas particulares
atividades predatórias relacionadas com a produção de carvão vegetal de
lenha.
Embora tem-se demonstrado que a tecnologia de torrefação
de resíduos densificados é economicamente viável devido, principalmente,
ao baixo custo dos resíduos de biomassa em estado polidisperso (de 9 a
20 R$/ton em função da distância de transporte), as expectativas para a
tecnologia, num horizonte de curto prazo (próximos 10 anos), estão
sustentadas na possibilidade de redução dos custos envolvidos nos
processos intermediários, tratando-se só da utilização destes resíduos.
Estes processos consideram a preparação da matéria-prima e a sua
densificação. Para se ter uma idéia da importância dos processos de
preparo da matéria-prima e sua densificação, é relevante dizer que uma
unidade de fabricação de briquetes de alta densidade (BAD) de 500 kgh-1
de capacidade de processamento de resíduos requer uma potência nominal
instalada da ordem de 105 kW.
No mundo hoje, existem poucas
opções tecnológicas conhecidas de equipamentos para a densificação de
biomassa polidispersa. Por outro lado, estes equipamentos de
densificação, pelo seu elevado preço no mercado, podem tornar inviável o
projeto de uma unidade de torrefação de briquetes de biomassa.
Estimativas
realizadas a partir de estudos técnico-econômicos e de viabilidade
desta tecnologia mostram custos unitários de produção na fabricação de
BAD de cerca de 38 US$/ton de madeira torrefada ou 120 R$/ ton de
madeira torrefada (câmbio de US$1=R$3,14). O material torrificado tem em
torno de 40% de carbono fixo e PCS-Poder Calorífico Superior variando
entre 21e 24 MJkg-1. O processo demonstrou ter uma eficiência global de
conversão de cerca de 90% [3].
Dadas as atuais restrições
ambientais impostas aos recursos dendroenergéticos e as necessidades de
melhoramentos efetivos dos processos de pirólise, principalmente na
atual indústria mundial de fabricação de carvão vegetal a partir de
lenha, a tendência para os próximos 10 a 15 anos é a modernização do
parque tecnológico carvoeiro mediante a utilização de tecnologias
modernas, mais eficientes e avançadas de produção de carvão vegetal, com
sistemas integrados de recuperação de alcatrão e de produção de insumos
energéticos e químicos.
5. A Pirólise Rápida para a Obtenção de Bio-Óleo
Nas
três últimas décadas, o uso potencial da biomassa como fonte de
combustíveis líquidos, produtos químicos e materiais, deu um novo
impulso ao uso conceitual da pirólise. O conceito de pirólise rápida
para a produção de líquidos orgânicos desperta cada vez mais o
interesse, junto às pesquisa e às aplicações comerciais dos diversos
produtos obtidos a partir do bio-óleo, seu principal produto, os quais
se desenvolvem rapidamente, principalmente na América do Norte e na
Europa. A pirólise rápida é um conceito advindo da necessidade de se
produzir insumos líquidos energéticos e não energéticos.
Através
do controle dos principais parâmetros do processo tais como: taxa de
aquecimento, temperatura de operação do reator, tempo de residência das
fases dentro do reator, tempo de aquecimento das partículas de biomassa e
da pressão de operação, dentre outras, é possível a condução do
processo visando o maior rendimento gravimétrico da fase líquida.
As
principais características do processo de pirólise rápida são: curtos
tempos de aquecimento das partículas e de residência para os vapores que
se formam dentro do reator, elevadas taxas de aquecimento, elevados
coeficientes de transferência de calor e massa, e temperaturas moderadas
da fonte de aquecimento. Em geral, o tempo de residência dos vapores no
reator deve ser inferior a 2-5 segundos. Todas as tecnologias de
pirólise em desenvolvimento no mundo aplicam estes princípios básicos
visando maximizar o rendimento gravimétrico de bio-óleo. A produção de
um derivativo líquido que poderia ser facilmente armazenado e
transportado é, com certeza, a principal vantagem potencial da pirólise
rápida em comparação aos outros processos de conversão termoquímica da
biomassa.
O líquido da pirólise da biomassa produzido desta forma
(o bio-óleo) é um “alcatrão” primário. Ele é formado a partir de
sucessivas reações de decomposição, craqueamento, condensação e
polimerização, e tem um elevado teor de água na sua composição (água
procedente do próprio insumo e água de formação). Reações secundárias
entre as fases dentro do reator de pirólise são evitadas procurando
aumentar o teor de líquido na corrente trifásica. A obtenção do bio-óleo
deve ser realizada fazendo-se um rápido resfriamento dos vapores.
Porém, os aerossóis formados durante o próprio processo de resfriamento
dos vapores da pirólise rápida são de difícil separação, necessitando-se
de projetos específicos a partir da combinação de conceitos físicos,
tais como, condensação, impacto, coalescência e separação nas fases
gás-líquido, além da necessidade de se conhecer as propriedades químicas
desta mistura líquida.
Nos últimos 20 anos têm sido realizadas
muitas pesquisas e testes em reatores pilotos e demonstrativos, baseados
em diversos conceitos tecnológicos de pirólise rápida. Alguns desses
reatores ainda estão em operação, produzindo finos de carvão vegetal e
bio-óleo. Porém, até hoje, nem o próprio processo nem a composição exata
do bio-óleo são muito conhecidos. Isto porque as reações termoquímicas
que ocorrem durante o processo são muito complexas Estudam-se os
principais aspectos fenomenológicos, tecnológicos, industriais,
econômicos e sócio-ambientais, na sua estreita relação com a qualidade
requerida do produto para uma dada aplicação comercial.
Um dos
principais objetivos na atualidade é o desenvolvimento em escala
industrial de plantas para a produção de bio-óleo visando-se sua
aplicação como combustível para a produção de entalpia e energia
elétrica, através do uso de caldeiras, fornos e sistemas de geração
estacionária.
5.1. Custos de Produção do Bio-Óleo
Segundo
avaliação econômica realizada no início dos anos 90, uma planta de
pirólise ablativa com capacidade de 907 toneladas de biomassa/dia
poderia produzir 680 toneladas de bio-óleo bruto por dia, a um custo de
100 dólares a tonelada. Essa estimativa corresponde a uma taxa de juros
de 20% ao ano, e a biomassa a um preço de 44 dólares a tonelada. O custo
total seria de 58,7 dólares por tonelada de biomassa seca (53% do custo
total). A estimativa de custo do equipamento é de 11 milhões de dólares
e o investimento total a ser feito de 44,5 milhões de dólares. Para uma
planta menor, com capacidade de 227 toneladas de biomassa por dia, o
custo do bio-óleo seria de 158 dólares por tonelada, indicando um
importante efeito de escala.
Um estudo sobre a avaliação dos
custos de produção do bio-óleo obtido por pirólise rápida de biomassa
realizado no New Hampshire Department of Resources and Economic
Development, da Universidade de New Hampshire, UK, projeto identificado
com o título “Identifying and Implementing Alternatives to Sustain the
Wood-Fired Electricity Generating Industry in New Hampshire”, de
Janeiro de 2002, estimou a tendência mostrada no gráfico da Figura 1
abaixo apresentada [4]. Trata-se da avaliação da variação do custo
unitário de produção do bio-óleo (em US$/litro) como função da umidade
inicial do insumo (aparas de madeira ou woodchips) para uma planta com
capacidade de 8,3 tonh-1. Observa-se um pronunciado incremento do custo
unitário de produção do bio-óleo para umidades da biomassa acima de 35%
(base úmida). Foi verificado também, neste estudo, que o custo unitário
de produção do bio-óleo não é mais praticamente influenciado pela
capacidade das plantas para valores deste parâmetro acima de
aproximadamente 4 tonh-1. Este comportamento foi similar para as três
umidades da biomassa testadas, de 25, 35 e 55% (base úmida).
Figura 1. Variação do custo unitário de produção do bio-óleo (US$/litro) como função da umidade inicial do insumo (aparas de madeira ou woodchips) para uma planta com capacidade de 8,3 tonh-1.
No Brasil, atualmente, poucas pesquisas estão em andamento na área de pirólise rápida de biomassa. O grupo de bio-combustíveis da Universidade Estadual de Campinas-UNICAMP trabalha na obtenção de bio-óleo a partir da tecnologia de reator de leito fluidizado borbulhante. Na Figura 2 mostra-se uma foto da planta de pirólise rápida pertencente a este grupo de desenvolvimento [5]. Suas principais rotas de trabalho são: desenvolvimento de uma tecnologia própria, obtenção e melhoramento da qualidade do bio-óleo, redução dos custos envolvidos, estudo para a expansão das aplicações dos produtos e co-produtos do processo de pirólise, e o estudo do aumento de escala da tecnologia.
Figura 2. Planta de pirólise rápida com tecnologia da UNICAMP (100 kgh-1 base seca)
5.2. Mercado para o Bio-Óleo
O bio-óleo é uma mistura orgânica muito complexa, formada por centenas de compostos diferentes pertencentes a muitos grupos químicos. O Poder Calorífico Superior-PCS do bio-óleo varia, em média, entre 18 e 20 MJkg-1, ou seja, aproximadamente metade do valor do PCS do óleo combustível convencional[[1]]. O teor de água pode variar de 15% a aproximadamente 40% (em peso). A densidade do bio-óleo é também alta, cerca de 1,2 kgl-1.
São sugeridas algumas aplicações para o bio-óleo. Combustíveis líquidos (Premium), como os hidrocarbonetos leves e a mistura aromática de gasolina e substâncias como o diesel, poderiam ser produzidos por catálise. O uso como óleo combustível em motores estacionários em substituição ao óleo diesel é possível, embora seja necessário resolver problemas como a corrosão, baixo valor de aquecimento e envelhecimento (reações de polimerização) durante o armazenamento.
O bio-óleo é também uma fonte de produtos químicos refinados, com um alto preço no varejo. Por exemplo, com o bio-óleo é possível produzir compostos para aditivos e aroma de alimentos como a alilsiringol (que custa US$ 1000,00 por kg), siringaldeído e siringol (ambos custam US$ 400,00 por kg).
Nos últimos anos tem sido dispensada uma atenção especial ao desenvolvimento de materiais com o uso de frações do bio-óleo. O derivados fenólicos presentes no bio-óleo insolúvel, principalmente derivados da despolimerização da lignina, são utilizados com êxito para substituir o fenol petroquímico durante a formulação de resinas do tipo fenol-formaldeído (PF-resinas). Este tipo de resina é utilizada como ligante em vários tipos de madeira compensada e também é um material básico nas indústrias de abrasivos e adesivos. A substituição de 50% (em peso) de fenol é viável, sem alterar ou afetar o desempenho da resina.
Fibras curtas de carbono ativado, que servem para a fabricação de filtros para tratamento da água, podem ser produzidas com o uso de material residual da destilação do bio-óleo ou do alcatrão da pirólise lenta. O piche residual recuperado durante a destilação do bio-óleo também serve como ligante em eletrodos. O bio-piche, como é conhecido, é mais reativo do que o piche de alcatrão de carvão fóssil, resultando em uma rede transversalmente ligada com coque.
5.3. Produção de energia elétrica a partir do Bio-Óleo
A produção de eletricidade a partir da pirólise de biomassa é uma das alternativas tecnológicas cuidadosamente considerada nos projetos de P&D. Uma das vantagens potenciais dessa tecnologia é a desvinculação da produção de eletricidade com a produção de biomassa, isto é, o óleo resultante da pirólise poderia ser transportado até as centrais elétricas e as limitações relativas ao tamanho da planta e aos impactos ambientais poderiam ser superadas.
A pirólise rápida da biomassa e o subseqüente uso do combustível líquido nos motores de combustão interna é um processo tecnológico novo que ainda deve apresentar-se com mais pesquisa. Porém, apesar da fase de desenvolvimento incipiente desta tecnologia estudos prévios indicam que poderá haver um potencial nicho de mercado para a produção de eletricidade por meio de pirólise rápida em unidades de pequena escala (capacidade entre 5 e 25 MW), principalmente no atendimento das cargas de ponta. As recentes análises de viabilidade apresentadas na literatura exploram mais a vantagem da desvinculação da produção de bio-óleo e da sua utilização na produção de eletricidade, permitindo uma melhor exploração do conceito de economia de escala para regiões com potencial disponibilidade de insumos de biomassa.
5.4. Tendências e Desafios para a Pirólise Rápida de Biomassa
A viabilidade econômica da produção do bio-óleo é altamente dependente de fatores como:
1. Parâmetros de custo: Neste caso são considerados os seguintes aspectos:
a. Da aplicação que se tenha para o bio-óleo o qual define, a princípio, o seu preço de venda (consideram-se o mercado de energéticos e o mercado de insumos químicos);
b. Do preço de venda do insumo (a biomassa) na região onde se instalariam as plantas de bio-óleo.
2. Tamanho da planta:
Trata-se da capacidade em alimentação de biomassa das plantas (economia de escala).
3. Desempenho da planta:
Trata-se da eficiência de separação e recuperação do bio-óleo. Os finos de biocarvão, a princípio, não interessam muito nesta análise, mas que podem beneficiar os custos e a análise de viabilidade econômica é uma realidade.
4. Parâmetros financeiros:
Refere-se ao cenário financeiro, taxas de juro consideradas, impostos, etc.
Estes resultados são fruto de uma análise de sensibilidade paramétrica realizada para a escala da planta de pirólise rápida da UNICAMP. Esta unidade foi instalada e operada em regime de pesquisa e demonstração dentro das dependências do Centro de Tecnologia Canavieira-CTC em Piracicaba-SP, usando-se gramíneas como capim elefante e palha de cana como insumo.
A partir destes resultados podemos inferir que para se obter um balanço econômico satisfatório na produção e comercialização deste produto é preciso a observância de questões tais como:
1. Disponibilidade de insumo de biomassa (resíduos) e de métodos de coleta e condicionamento a custos competitivos e com a qualidade requerida;
2. Eficiências de recuperação de bio-óleo acima de 60 % ;
3. As plantas devem ter uma capacidade acima de 200 kgh-1 (prevêem-se plantas de 500 a 1000 kgh-1 de capacidade, com 1 ou vários reatores em paralelo) e;
4. Mercado atraente financeiramente para os produtos do processo.
Algumas aplicações podem não ser atraentes. Na verdade, uma análise multivariável deve ser feita em cada caso.
O desafio a curto e médio prazo deve estar direcionado ao equacionamento dos seguintes aspectos:
Desenvolvimento dos processos tecnológicos unitários relacionados com a sua produção visando aperfeiçoar a qualidade e eficiência de obtenção: Neste caso é importante salientar que mais estudos devem ser realizados sobre formas de recuperação dos aerossóis da pirólise rápida (bio-aerossóis), formação, crescimento, composição química, deposição, precipitação e separação do fluxo de gases, além de serem testados novos sistemas de separação;
Desenvolvimento das aplicações e dos processos para sua implementação: no caso do seu uso como energético, o desenvolvimento das misturas de bio-óleo com álcoois poderia representar um passo de avanço importante, dada a sua incompatibilidade com hidrocarbonetos convencionais;
“Scale-up” da tecnologia: o “scale-up” da tecnologia deve levar em conta os efeitos da mudança de escala no rendimento gravimétrico e energético e a qualidade do bio-óleo. Estudos nesta direção estão sendo realizados;
Redução de custos: recentes estudos têm demonstrado que o custo de produção do bio-óleo encontra-se ainda entre 10 e 100% do custo de produção do óleo combustível;
Estabelecimentos de normas para os produtores e usuários da tecnologia e os produtos: são necessários trabalhos de caracterização e estandardização no uso e a distribuição do bio-óleo. Estabelecimentos de normas relacionadas com a saúde ambiental e segurança no manuseio, transporte e uso final do bio-óleo;
Disseminação de informações sobre o uso do bio-óleo e dos benefícios econômicos e ambientais decorrentes da tecnologia e dos produtos.
Para se alcançar uma maturidade tecnológica que permita a aplicação desta tecnologia e seus produtos em escala comercial são necessárias ainda pesquisas básicas e aplicadas. Uma dada aplicação terá impacto de escala quando seja atraente economicamente em cada uma das etapas dos processos envolvidos.
6. Bibliografia
[1] V&MT. Raad, T., SG/C – Florestal. Pessoal Comunication. In: tulraad@vmtubes.com.br. Access by http://www.vmtubes.com.br;
[2] Walter, A.C. da Silva; Faaij, A. and Bauen, A. New Technologies for Modern Biomass Energy Carries. In: Rosillo-Calle, F.; Bajay S. and Rothman, H. Industrial Uses of Biomass Energy: The example of Brazil. First Edition. London, England, published by Taylor & Francis, volume único, 2000, p. 200-253.
[3] Felfli, F. Torrefação de Biomassa. Viabilidade Técnica e Potencial de Mercado. Tese de Doutorado. Faculdade de Engenharia Mecânica-FEM, Universidade Estadual de Campinas-UNICAMP, Campinas, São Paulo, 2003;
[4] NH Department of Resources and Economic Development. “Identifying and Implementing Alternatives to Sustain the Wood-Fired Electricity Generating Industry in New Hampshire”, New Hampshire, UK, January 2002. Access by http://www.unh.edu;
[5] Olivares-Gómez E. Estudo da Pirólise Rápida de Capim Elefante em Leito Fluidizado Borbulhante mediante a Caracterização dos Finos de Carvão. Tese de doutorado. FEAGRI, Universidade Estadual de Campinas-UNICAMP, Campinas, São Paulo, 2002;
[[1]] O PCS do óleo combustível convencional é considerado como sendo em torno de 40 MJkg-1
Fonte do texto e imagens e tabelas:http://ambientes.ambientebrasil.com.br