A Reforma Urbana consiste em um planejamento de longo prazo do espaço
ocupado pela cidade, buscando adequar este meio e visando uma melhoria
significativa qualidade de vida. Tal reforma deve gerar uma prestação
adequada de serviços públicos. Deve satisfazer também necessidades
sociais como o acesso ao lazer, cultura, educação, trabalho e renda para
todos os moradores. Tal transformação é muito bem entendida (e
discutida) no meio acadêmico, mas está fora do alcance dos cidadãos
(reais beneficiários com a reforma) e da maioria dos gestores públicos
de nossas cidades. Para Marcelo Lopes Souza, “uma reforma de tal
amplitude esbarra em grandes (e poderosos) obstáculos:
1 – políticos –
através da pressão de grupos dominantes por meio de representatividade
nos governos e do controle da mídia de massa.
2 – econômicos – fruto da
falta de cuidado com as finanças públicas.
3 – jurídicos – agravado pela
necessidade de novas leis sobre o tema.
4 – sociopolíticos – gerado
pela resistência da própria população, devido à falta de informação ou
pela atuação do crime organizado em determinadas áreas” (SOUZA, 2005).
5 - Pode-se levantar um “quinto” e grande obstáculo: a reforma urbana é
muito pouco conhecida e, assim, as chances de haver uma “pressão” em
massa para que ela aconteça é pequena. Surge deste fato a necessidade de
geração de mecanismos de divulgação da reforma, através de campanhas de
esclarecimento sobre os possíveis resultados de uma reestruturação do
espaço urbano e os benefícios que tal processo traria na organização
social de nossas cidades.
REFORMA URBANA - ALGUÉM TEM QUE TRABALHAR |
É preciso, no entanto, diferenciar Reforma Urbana de Reforma Agrária,
muitas vezes entendidas como “muito semelhantes” pela opinião pública,
que acaba reproduzindo o discurso da mídia de massa e das classes
dominantes, limitando a análise em julgamentos rasos e simplistas,
baseados na condenação das invasões e disputas pela posse do solo, sem
avaliação do quadro como um todo. Apesar de ambas fazerem parte das
chamadas “reformas de base” (a saber: Reforma Política, Educacional,
Universitária, Tributária, Agrária e Urbana), e ambas proporem a
correção de distorções históricas na organização social (no caso do
Brasil) e apresentarem respostas coerentes às necessidades emergenciais
de amenização do efeito do sistema capitalista dentre da sociedade,
essas reformas têm essências diferentes. A Reforma Agrária caracteriza a
democratização do acesso à terra e, com isso, ao meio de produção do
homem do campo, podendo tirar o seu sustento (e de sua família) da
própria terra. Já a Reforma Urbana é pouco mais complexa, uma vez que o
acesso ao solo urbano não caracteriza acesso ao bem de produção do
sustento individual e familiar, mas apenas assegura o direito a moradia.
Esta reforma não pode se limitar ao combate do déficit habitacional.
Tem que ir mais além. Deve gerar condições de trabalho, saneamento,
lazer, serviços, transporte, renda e acesso ao consumo. Além de garantir
um uso sustentável dos recursos naturais presente no meio urbano,
garantindo uma cidade justa, acessível e democrática.
É possível simplificar o entendimento da Reforma Urbana através da
exposição dos chamados “pilares” ou “objetivos específicos” desta
reforma.
O primeiro seria coibir e punir severamente a especulação
imobiliária. Esta ação foi iniciada com a inserção dos artigos 182 e 183
(de autoria popular) na constituição federal de 1988 e com o Estatuto
das Cidades (lei 10.257/2001). A especulação de áreas urbanas é
responsável grande parte dos problemas urbanos brasileiros, submetendo
os cidadãos a morar em áreas distantes dos pólos de trabalho e renda.
Tal situação é agravada pela condição dos serviços de transporte público
e pela ineficiente estrutura viária.
Ações de combate ao
latifúndio urbano como o IPTU Progressivo, “que é o IPTU acrescido, ao
longo do tempo, por um número ‘x’ de anos, com um percentual crescente
de majoração (dentro de limites especificados no Estatuto das Cidades),
com fins punitivos e para forçar o proprietário de um terreno
comprovadamente ocioso ou subutilizado a dar a este um destino que
atenda, minimamente que seja, o princípio constitucional da ‘função
social da propriedade’; e da desapropriação, como solução extrema”
(SOUZA, 2005).
O combate a saturação de infra-estrutura
pública é auxiliada através da Outorga Onerosa do Direito de Construir
(conhecida por “Solo Criado”), que se caracteriza por onerar o
proprietário de solo urbano que constrói pavimentos e deve compensar a
cidade pela sobrecarga na infra-estrutura urbana instalada, devido ao
aumento dos fluxos ao redor da edificação. As melhorias feitas na
proximidades do empreendimentos são também repassadas aos proprietários
por meio da contribuição de melhoria, uma vez que um “valor” é agregado
ao imóvel quando há atuação do estado nas suas proximidades.
Outros instrumentos que auxiliam a ordenação (e democratização) do uso
do solo e no acesso à regularização fundiária de áreas particulares
ociosas ocupadas para fins de moradia (usocapião), são o fundo de
desenvolvimentbo urbano e as regras de zoneamento. Os fundos são
contra-partidas do poder público (através de verbas obtidas, por
exemplo, do IPTU progressivo), através de financiamento, para promoção
de desenvolvimento urbano sustentável. As regras de zoneamento visam
organizar a expansão das cidades, através de zoneamentos por “uso” e por
“densidade” de ocupação. O primeiro divide o tecido urbano em áreas de
acomodação, o segundo ordena o adensamento demográfico e corrige
distorções no uso da infra-estrutura. Os instrumentos citados são de
verdadeira importância no processo de reforma urbana e são sinais de
avanço no combate aos especuladores, na democratização do uso do solo
urbano e na humanização da cidade brasileira.
O segundo
objetivo é a correção da setorização de valores imobiliários,
fragmentando a organicidade natural do espaço urbano. Cabe salientar:
esta ação está intimamente ligada ao já citado combate aos especuladores
urbanos. Uma cidade não deve ter zonas de acumulação de valores, como
as chamadas “áreas nobres” facilitam a setorização e é muito prejudicial
para a cidade, pois gera a concentração de infra-estrutura e a
segmentação dos investimentos públicos, uma vez que estas áreas recebem
mais atenção do estado, principalmente por interesses particulares e
individuais. A ordenação da cidade deve seguir um fluxo natural,
democrático, distribuído e coeso, facilitando o acesso aos serviços
indispensável e ao trabalho e, com isso, resolvendo problemas concretos
no meio urbano, como a questão do transporte coletivo.
O
terceiro é a democratização do planejamento e gestão dos investimentos
públicos (e privados) na cidade, através de medidas como a criação de um
eficiente Orçamento Participativo, garantindo a participação dos
cidadãos no processo decisório, embora condenada pelo modelo
capitalista, e inserção de variáveis reais nos temas de discussão, como a
acessibilidade, o trabalho ilegal e o racismo, deixando de lado a
máxima do “Mercado Auto-regulador” e distribuidor de justiça social,
fruto do pensamento neoliberal. Assim, a Reforma Urbana brasileira é
gradual e toma rumos novos frente à cada obstáculo, mas através de
legislações específicas e avançadas, vem se mostrando viável, uma vez
que tem tido resultados positivos, principalmente no que diz respeito ao
acesso ao solo.
Fonte: http://www.ebah.com.br