18 setembro 2014

REFORMA URBANA - ALGUÉM TEM QUE TRABALHAR

A Reforma Urbana consiste em um planejamento de longo prazo do espaço ocupado pela cidade, buscando adequar este meio e visando uma melhoria significativa qualidade de vida. Tal reforma deve gerar uma prestação adequada de serviços públicos. Deve satisfazer também necessidades sociais como o acesso ao lazer, cultura, educação, trabalho e renda para todos os moradores. Tal transformação é muito bem entendida (e discutida) no meio acadêmico, mas está fora do alcance dos cidadãos (reais beneficiários com a reforma) e da maioria dos gestores públicos de nossas cidades. Para Marcelo Lopes Souza, “uma reforma de tal amplitude esbarra em grandes (e poderosos) obstáculos:

 1 – políticos – através da pressão de grupos dominantes por meio de representatividade nos governos e do controle da mídia de massa.

 2 – econômicos – fruto da falta de cuidado com as finanças públicas. 

3 – jurídicos – agravado pela necessidade de novas leis sobre o tema. 

4 – sociopolíticos – gerado pela resistência da própria população, devido à falta de informação ou pela atuação do crime organizado em determinadas áreas” (SOUZA, 2005).

5 - Pode-se levantar um “quinto” e grande obstáculo: a reforma urbana é muito pouco conhecida e, assim, as chances de haver uma “pressão” em massa para que ela aconteça é pequena. Surge deste fato a necessidade de geração de mecanismos de divulgação da reforma, através de campanhas de esclarecimento sobre os possíveis resultados de uma reestruturação do espaço urbano e os benefícios que tal processo traria na organização social de nossas cidades.

A Reforma Urbana consiste em um planejamento de longo prazo do espaço ocupado pela cidade, buscando adequar este meio e visando uma melhoria significativa qualidade de vida
REFORMA URBANA - ALGUÉM TEM QUE TRABALHAR


 É preciso, no entanto, diferenciar Reforma Urbana de Reforma Agrária, muitas vezes entendidas como “muito semelhantes” pela opinião pública, que acaba reproduzindo o discurso da mídia de massa e das classes dominantes, limitando a análise em julgamentos rasos e simplistas, baseados na condenação das invasões e disputas pela posse do solo, sem avaliação do quadro como um todo. Apesar de ambas fazerem parte das chamadas “reformas de base” (a saber: Reforma Política, Educacional, Universitária, Tributária, Agrária e Urbana), e ambas proporem a correção de distorções históricas na organização social (no caso do Brasil) e apresentarem respostas coerentes às necessidades emergenciais de amenização do efeito do sistema capitalista dentre da sociedade, essas reformas têm essências diferentes. A Reforma Agrária caracteriza a democratização do acesso à terra e, com isso, ao meio de produção do homem do campo, podendo tirar o seu sustento (e de sua família) da própria terra. Já a Reforma Urbana é pouco mais complexa, uma vez que o acesso ao solo urbano não caracteriza acesso ao bem de produção do sustento individual e familiar, mas apenas assegura o direito a moradia. Esta reforma não pode se limitar ao combate do déficit habitacional. Tem que ir mais além. Deve gerar condições de trabalho, saneamento, lazer, serviços, transporte, renda e acesso ao consumo. Além de garantir um uso sustentável dos recursos naturais presente no meio urbano, garantindo uma cidade justa, acessível e democrática. 

É possível simplificar o entendimento da Reforma Urbana através da exposição dos chamados “pilares” ou “objetivos específicos” desta reforma.

O primeiro seria coibir e punir severamente a especulação imobiliária. Esta ação foi iniciada com a inserção dos artigos 182 e 183 (de autoria popular) na constituição federal de 1988 e com o Estatuto das Cidades (lei 10.257/2001). A especulação de áreas urbanas é responsável grande parte dos problemas urbanos brasileiros, submetendo os cidadãos a morar em áreas distantes dos pólos de trabalho e renda. Tal situação é agravada pela condição dos serviços de transporte público e pela ineficiente estrutura viária. 

Ações de combate ao latifúndio urbano como o IPTU Progressivo, “que é o IPTU acrescido, ao longo do tempo, por um número ‘x’ de anos, com um percentual crescente de majoração (dentro de limites especificados no Estatuto das Cidades), com fins punitivos e para forçar o proprietário de um terreno comprovadamente ocioso ou subutilizado a dar a este um destino que atenda, minimamente que seja, o princípio constitucional da ‘função social da propriedade’; e da desapropriação, como solução extrema” (SOUZA, 2005). 

O combate a saturação de infra-estrutura pública é auxiliada através da Outorga Onerosa do Direito de Construir (conhecida por “Solo Criado”), que se caracteriza por onerar o proprietário de solo urbano que constrói pavimentos e deve compensar a cidade pela sobrecarga na infra-estrutura urbana instalada, devido ao aumento dos fluxos ao redor da edificação. As melhorias feitas na proximidades do empreendimentos são também repassadas aos proprietários por meio da contribuição de melhoria, uma vez que um “valor” é agregado ao imóvel quando há atuação do estado nas suas proximidades. 

Outros instrumentos que auxiliam a ordenação (e democratização) do uso do solo e no acesso à regularização fundiária de áreas particulares ociosas ocupadas para fins de moradia (usocapião), são o fundo de desenvolvimentbo urbano e as regras de zoneamento. Os fundos são contra-partidas do poder público (através de verbas obtidas, por exemplo, do IPTU progressivo), através de financiamento, para promoção de desenvolvimento urbano sustentável. As regras de zoneamento visam organizar a expansão das cidades, através de zoneamentos por “uso” e por “densidade” de ocupação. O primeiro divide o tecido urbano em áreas de acomodação, o segundo ordena o adensamento demográfico e corrige distorções no uso da infra-estrutura. Os instrumentos citados são de verdadeira importância no processo de reforma urbana e são sinais de avanço no combate aos especuladores, na democratização do uso do solo urbano e na humanização da cidade brasileira. 

O segundo objetivo é a correção da setorização de valores imobiliários, fragmentando a organicidade natural do espaço urbano. Cabe salientar: esta ação está intimamente ligada ao já citado combate aos especuladores urbanos. Uma cidade não deve ter zonas de acumulação de valores, como as chamadas “áreas nobres” facilitam a setorização e é muito prejudicial para a cidade, pois gera a concentração de infra-estrutura e a segmentação dos investimentos públicos, uma vez que estas áreas recebem mais atenção do estado, principalmente por interesses particulares e individuais. A ordenação da cidade deve seguir um fluxo natural, democrático, distribuído e coeso, facilitando o acesso aos serviços indispensável e ao trabalho e, com isso, resolvendo problemas concretos no meio urbano, como a questão do transporte coletivo. 

O terceiro é a democratização do planejamento e gestão dos investimentos públicos (e privados) na cidade, através de medidas como a criação de um eficiente Orçamento Participativo, garantindo a participação dos cidadãos no processo decisório, embora condenada pelo modelo capitalista, e inserção de variáveis reais nos temas de discussão, como a acessibilidade, o trabalho ilegal e o racismo, deixando de lado a máxima do “Mercado Auto-regulador” e distribuidor de justiça social, fruto do pensamento neoliberal. Assim, a Reforma Urbana brasileira é gradual e toma rumos novos frente à cada obstáculo, mas através de legislações específicas e avançadas, vem se mostrando viável, uma vez que tem tido resultados positivos, principalmente no que diz respeito ao acesso ao solo. 
Fonte: http://www.ebah.com.br