Conceitos de segurança na geotecnia
Conceitos de segurança na geotecnia |
“E sob os trabalhos as variações terrestres as rugosidades e os alisamentos. Um século de mãos, obra nenhuma: a atividade bate a humanidade. Faz-se a escavação escava-se no céu a removeras estrelas, abre-se uma fenda para soltar os génios, poços onde há quedas. Também se corta a vida para saber a sangue, estimular matérias. E puxam-se as estrias, enfeixam-se nas veias com uma indústria rápida, suadas violências. Mas toda a escavação só afunda a superfície e os trabalhos baixam, nem sabem, dão falso.”
Carlos Poças Falcão
Numa época cada vez mais exigente, o sucesso da execução de obras geotécnicas, cuja concepção e execução depende, em grande escala, das condições geológicas, técnicas e ciências existentes, torna-se imprescindível o conhecimento prévio destas condições.
Antes de mais nada, geotecnia é um ramo da geologia e da engenharia civil. Não seria de facto uma única ciência, mas sim a mistura de três; basicamente: • geologia de engenharia - “Geologia de Engenharia é a ciência dedicada à investigação, estudo e solução dos problemas de engenharia e meio ambiente decorrentes da interacção entre as obras e atividades do Homem e o meio físico geológico, assim como ao prognóstico e ao desenvolvimento de medidas preventivas ou reparadoras de riscos geológicos”.
Detendo-nos na frase de F. Bacon, “a natureza para ser comandada precisa ser obedecida”, expressão que revela a maravilhosa capacidade de percepção e síntese própria dos sábios, podemos entendê-la como a própria essência conceitual da Geologia de Engenharia.
Para o atendimento das necessidades humanas nesta “aldeia global” que é o planeta Terra (energia, transporte, alimentação, moradia, segurança física e mental, comunicação) o Homem é inexoravelmente levado a aproveitar uma série de recursos naturais, explorando-os ao limite, muitas das vezes (sendo eles a água, o petróleo, os minérios, a energia hidráulica, os solos), e ocupando e modificando espaços naturais das mais diversas formas, como por exemplo: cidades, agricultura, indústria, vias de transportes, portos, canais. Esta acção já transformou o Homem no mais poderoso agente geológico que se encontra a atuar hoje na superfície do planeta. Para que esse comando da natureza seja coroado de êxito deve incorporar (obedecer) as leis que regem as características dos materiais e dos processos geológicos naturais afetados, como que num seguimento lógico da cadeia de relação dos materiais e matérias, para que o equilíbrio natural das coisas não seja quebrado e para que o planeta Terra se mantenha uma esfera perfeita e livre de “esquinas”.
Para obedecer às leis da natureza é preciso antes de mais nada entendê-las e, então, absorvê-las nas atitudes comportamentais e nas soluções de engenharia apontadas. De tal forma que as ações humanas dessa ordem sejam inteligentes, excitadas e provedoras da qualidade de vida no planeta; para que essa geração e as futuras, sobretudo as futuras, sejam sustentáveis (para que as mesmas não acarretem com as nossas dívidas antigas em relação ao planeta).
De uma forma concisa, podemos entender a Geologia de Engenharia como a Geociência Aplicada responsável pelo domínio tecnológico da interface entre a atividade humana e o meio físico geológico - o meio que possibilita o estudo do equilíbrio, entre o que nós fazemos ao meio físico e o meio físico por sua vez nos transmite a nós.
• mecânica dos solos - A mecânica dos solos é uma disciplina que procura prever o comportamento de maciços terrosos quando sujeitos a solicitações provocadas, por exemplo, por obras de engenharia. Digamos que se trata de uma forma de podermos controlar as reações do terreno em função das atividades que desenvolvemos nele.
• mecânica das rochas - Mecânica das rochas é a ciência teórica e aplicada do comportamento mecânico das rochas e maciços rochosos. É o ramo da mecânica que estuda a resposta das rochas e maciços rochosos perante os campos de forças a que estão sujeitos no seu ambiente físico.A mecânica das rochas propriamente dita faz parte do campo mais vasto que é a geomecânica, que se ocupa das respostas mecânicas de todos os materiais geológicos, incluindo os solos. A mecânica das rochas, tal como é aplicada na prática da engenharia de minas e engenharia geológica, refere-se à aplicação dos princípios da mecânica de engenharia ao desenho de estruturas em rocha geradas pela atividade mineira, como por exemplo: túneis, poços de minas, escavações subterrâneas ou minas a céu aberto. Inclui também o desenho de padrões de ancoragens.
Esta ciência lida com a interferência de obras de infra-estrutura de qualquer natureza com a sua fundação, seja ela em solo ou rocha. É nesta reunião de conceitos e tarefas que entra o perfil e desempenho do Engenheiro Geotécnico: o Engenheiro Geotécnico actua em projetos de escavação, túneis, compactação de aterros, tratamentos de fundações, instrumentação de obras, percolação de fluxos em solos e rochas e contenções, entre outros. A geotecnia também está ligada à terra mecânica, à petrologia e a todos os ramos da geologia de uma forma geral.
Um profissional especializado em geotecnia está apto a trabalhar em muitos processos que lidem direta ou indiretamente com o solo, tal como descrito em cima, e, sobretudo, está apto para um dos maiores desafios no mundo da Geotecnia, que se trata de entender, compreender e aplicar técnicas e conhecimentos no mais profundo do desconhecido.
É neste contexto de interação com o meio físico, com a natureza, a aplicação de novas técnicas por assim dizer no “obscuro” que é o interior da terra, mesmo com sondagens e estudos de terrenos, que se trabalha. A geotecnia é isso mesmo, e tentar adaptar e corrigir o que fazemos contra e a favor da natureza. É neste processo moroso, e específico na realização das tarefas, que a segurança dos trabalhadores e equipamentos nunca poderá ser descurada.
Referimo-nos a processos que, apesar de complexos à primeira vista, são de execução simples e repetitiva, mas os condicionalismos existentes 90% das vezes tornam a execução dos trabalhos um risco profissional bastante elevado. Estamos a falar de muitas das vezes executarmos trabalhos em altura recorrendo a bailéus perfuradores devidamente homologados, mas que elevam o risco de queda em altura; falamos também de trabalhos de contenções de taludes (e que, como o próprio nome indica, implicam ir para um terreno que se encontra instável, para o deixar estável), de operar junto a equipamentos bastante específi cos, como os Rock’s perfuradores, centrais de injeção, equipamentos de estacas. Referencio-me a estes como exemplo numa vasta gama de equipamentos de risco.
A formação deste aglomerado de mão-de-obra específica é um ponto essencial. Tal como disse é uma mão-de-obra especializada e, como tal, requer uma formação não em tom inicial, mas uma formação de fundo: explicar, sim, a obrigatoriedade da utilização de Equipamentos de Proteção Individual e o porquê dos mesmos, mas também é aqui essencial formar os colaboradores para o funcionamento seguro dos equipamentos, uma vez que existe bastante mão-de-obra no raio de operação dos mesmos e formar, neste sentido, não é apenas explicar os pontos de paragem de emergência do equipamento, mas sim o porquê de eles existirem, onde se encontram e as situações de paragem; demonstrar também todo o processo de funcionamento do equipamento, quer aos manobradores, quer ao pessoal que diretamente opera junto deles, porque, por exemplo, pode um dia ser necessário em caso de emergência o “servente” fazer de “manobrador” para que numa situação de acidente possa ajudar a quem sabe “salvar uma vida”; formar na execução da técnica, ou seja, o porquê de estarmos a utilizar este ou aquele tipo de técnica e como utilizá-la e aplicá-la corretamente e dentro das normas de segurança (aqui temos o papel do técnico de segurança em conjunto com o engenheiro geotécnico e essencial); formar equipas contínuas e específicas nos diferentes ramos (pequeno diâmetro/ grande diâmetro) para que se familiarizem com a técnica e diminua assim o risco, porque, apesar de serem técnicas repetidas, para o simples “servente” são técnicas bastante complicadas de entender e de aplicar.
Acima de tudo, a filosofia que todo o departamento de segurança, encarregados e trabalhadores, devem incutir no espírito inicial de cada trabalho e de cada tarefa é o “poder de antecipação”. Prever ao máximo o desconhecido pode ser uma tarefa impossível, mas é aqui que a máxima de Miguel Torga entra e é interiorizada ao máximo: “Livre não sou pois nem a própria vida nos consente, mas a minha aguerrida teimosia é dia a dia quebrar o elo da corrente”.
É nesta máxima, bem como na do respeito das normas de segurança e de execução dos trabalhos de geotecnia, que nos devemos em cada momento da nossa atividade aplicar e que devemos desenvolver para que no balanço fi nal de cada empreitada a segurança e o trabalho desenvolvidos não sejam um ruído, mas sim um silêncio de satisfação de ambas as partes e um grito mudo de elogio para quem “deixa o seu próprio suor no desenvolvimento de uma atividade”.
fonte:r: Ricardo Filipe Pardelinha Mendes*