04 janeiro 2012

TENDÊNCIAS NA GESTÃO DAS POLÍTICAS SOCIAIS

 Tendências na gestão de políticas sociais: intersetorial, transversalidade e participação

Nas últimas décadas observa-se um processo intenso de descentralização de modo que os governos locais são responsáveis pelas principais ações que permitem assegurar a qualidade de vida dos cidadãos (Menicucci, 2002:10). Com o aumento de suas responsabilidades, a cidade constituiu-se como um ator político fundamental e pólo central na articulação entre sociedade civil, iniciativa privada e as diferentes instâncias governamentais, devendo ser capaz de incentivar a cooperação social na busca de respostas integradas a diversos problemas como emprego, educação, cultura, moradia, transporte. Podemos acrescentar a essa lista também a responsabilidade pela integração de ações voltadas para o lazer que teriam no município o lócus privilegiado na construção de uma vida com qualidade, que incluí o acesso ao lazer como um de seus atributos.


TENDÊNCIAS NA GESTÃO DAS POLÍTICAS SOCIAIS
TENDÊNCIAS NA GESTÃO DAS POLÍTICAS SOCIAIS
Entretanto, os desafios para os governos locais continuam imensos no sentido de resolver os problemas da exclusão social e garantir uma vida com qualidade. Em outros termos, como garantir maior eficácia na gestão de políticas sociais. A gestão local, de forma variada entre e intra países, tem sido um laboratório de inovações na busca de maior efetividade das ações em contexto de muitas demandas e recursos quase sempre limitados, particularmente no contexto latino americano. E novas estratégias de gestão têm sido experimentadas visando superar formas consolidadas de intervenção.
Um ponto de partida é o diagnóstico de que os problemas que são objeto das diversas políticas setoriais são interligados e interdependentes e se reforçam mutuamente. Dada a complexidade da realidade, as políticas públicas precisam se ajustar à natureza estrutural dos problemas sociais para, de fato, conseguir algum impacto sobre eles (Menicucci, 2002). Com esse diagnóstico, têm ganhado força a proposta de integração das políticas sociais por meio de uma integração intersetorial e interinstitucional no desenho, implementação e gestão de políticas sociais. A proposta da intersetorial tem sido definida como uma nova maneira de abordar os problemas sociais, enxergando o cidadão na sua totalidade e estabelecendo uma nova lógica para a gestão da cidade, superando a forma segmentada e desarticulada em que usualmente são elaboradas e implementadas as políticas públicas, fracionadas em diferentes setores. Particularmente nas políticas voltadas para a inclusão social, um dos eixos estruturadores de uma nova agenda de políticas sociais, buscam atuar sobre a multidimensional dos processos de exclusão, configurando-se mudanças nas formas de produção de políticas de inclusão social, com vistas à sua maior efetividade, por meio da articulação intersetorial e da incorporação da dimensão da territorialidade.
Nessa proposta, além da articulação de atores individuais e institucionais, de  organizações públicas e privadas, torna-se necessário produzir tanto uma síntese dos diversos conhecimentos especializados quanto a articulação de práticas por meio do estabelecimento de uma nova maneira de planejar, executar e controlar a prestação de serviços, quando o objetivo é garantir acesso igual aos desiguais.
A proposta coloca desafios para a gestão e para os gestores, dada a necessidade de se obter uma compreensão compartilhada de finalidades, objetivos, ações, indicadores e práticas articuladas. Enfim, demanda a construção coletiva dos objetivos e o compromisso de superar os problemas de maneira integrada. Como estratégias de ação, pressupõe valores de cooperação e parceria e a construção de redes como meio para articular atores, produzir conhecimento e intervir na realidade. Esse modelo organizacional em rede significa estabelecer um espaço de poder compartilhado e de articulação de interesses, saberes e práticas de organizações, indivíduos e grupos, sendo a rede centrada na identidade de um projeto.
Do ponto de vista da gestão, essa proposta demanda a constituição de arranjos complexos para a coordenação de ações setoriais, ponto nevrálgico para o sucesso. Têm ainda algumas implicações importantes para a organização do trabalho e o planejamento, que ao invés de serem setoriais passam a ser definidos com base territorial. Dado que a proposta de ações intersetoriais tem como objetivo atuar sobre populações específicas, com vistas à sua inclusão nas dinâmicas sociais, e a partir do reconhecimento de que as populações não se distribuem ao acaso, mas tendem a forma conglomerados humanos que compartilham características similares, a categoria território se torna crucial, enquanto critério de focalização das ações, considerando a intenção de atuar de forma sinérgica sobre regiões homogêneas em termos de características sócio-econômicas, urbano-espaciais e, particularmente em termos de identidades e redes de sociabilidade, construídas a partir do pertencimento ou identificação com o lugar.  O foco em territórios e populações específicas permite não apenas a identificação dos problemas que lhes são próprios, mas também das potencialidades e soluções.
A mudança na forma de atuar tem implicações também nas estruturas organizacionais que, em princípio, devem expressar a intenção de articular os diversos segmentos da organização governamental, privilegiando a integração. Se é verdade que desenhos organizacionais não garantem por si só determinados comportamentos, eles podem, no entanto, favorecer ou não determinadas formas de atuação. Nesse sentido é que a integração e coordenação das ações pressionam para mudanças nas estruturas tradicionais de governo em dois sentidos principais: substituir as estruturas funcionais e piramidais – que refletem a especialização de saberes e modos de intervenção - por estruturas matriciais mais flexíveis, que permitam a coordenação constante em todos os níveis, e substituir órgãos segmentados por áreas de conhecimento e atuação por órgãos de corte regional que tenham como missão melhorar as condições de vida da população em áreas delimitadas geograficamente. Uma organização do trabalho que se constitua em bases territoriais possibilita articular os planos particulares de a cada setor e as respectivas redes de serviços, integrando-as em uma única rede regional.
Essa inflexão nos modos de gestão implica mudanças na cultura das organizações gestoras das políticas sociais e das práticas institucionalizadas, imbuídas de valores consolidados nos formatos de atuação setorizados. Uma estrutura organizacional com as características propostas é também mais permeável à participação dos cidadãos. Essa participação é ainda um elemento importante para a legitimidade, sustentabilidade e eficácia das ações, uma vez que as políticas sociais, por terem um impacto direto na vida das pessoas, têm poucas chances de serem efetivas se não contarem com a adesão do público-alvo.
Uma outra perspectiva para se pensar a integração de ações governamentais com vistas à maior efetividade aponta no sentido da transversalidade. Vista tanto como conceito quanto como instrumento organizativo, a transversalidade tem a função de ampliar a capacidade de atuação com relação a alguns temas para os quais a organização clássica não e adequada (Serra, 2004). As administrações públicas se organizam em estruturas fortemente formalizadas, verticais e definidas por sistemas técnicos especializados e complexos como saúde, educação, defesa, seguridade e outros. Entretanto, essa estrutura organizativa clássica não é capaz de resolver algumas situações, como: (1) demandas sociais ou de políticas públicas que não fazem parte das competências de uma única parte da estrutura orgânica vertical da corporação, mas que implicam toda a organização ou de parte significativa dela; e (2) a necessidade de dispor de una visão integrada de determinados segmentos de população considerados como prioritários do ponto de vista da ação pública. Essas situações têm forçado o setor público a adotar visões, ou referências estruturantes na sua intervenção que não se ajustam às divisões clássicas da organização e que requerem novas respostas organizativas ou novas formas de trabalho.
Em outros termos, a transversalidade é uma proposta por meio da qual se busca dar respostas organizativas à necessidade de incorporar temas, visões, enfoques, públicos, problemas, objetivos, etc. às tarefas da organização que não se encaixam em apenas uma das estruturas organizativas verticais. Como chama atenção Serra (2004), a transversalidade não se confunde com a coordenação lateral ou interdepartamental nem com a integração organizativa ordinária; não pressupõe novos pontos de vista nem novas linhas de objetivos dissociados dos objetivos setoriais dos órgãos verticais em que se estrutura a organização. Diferentemente, significa introduzir linhas de trabalho não estabelecidas verticalmente; construir uma proposta que deve impregnar e condicionar as outras áreas de atuação, ou seja: tenta-se que todas as estruturas verticais comportam sinergicamente a obtenção de um objetivo comum que não é específico de cada uma delas em particular. É assim um instrumento inter organizativo que se orienta a gerir, no seio da organização, um tema não contemplado explicitamente na estrutura orgânica básica, mas que exige, para seu tratamento adequado, o envolvimento de todas, ou pelo menos de várias, unidades verticais. Significa incorporar, no trabalho do conjunto ou de parte significativa da organização, o tratamento de políticas, problemas, segmentos da população, etc. que reflitam a multi dimensionalidade da realidade, sem eliminar nenhuma das dimensões já incorporadas ao seu trabalho.
Essa forma de gestão se justifica dado o fato de que a realidade é complexa,  multidimensional e, na linguagem de Serra (2004), poliédrica, embora não seja transversal. A transversalidade é um instrumento para gerir a visão poliédrica, um  instrumento para incorporar novos pontos de vista e novas capacidades de intervenção sobre a realidade multidimensional.
O exemplo paradigmático utilizado por Serra para definir a transversalidade é a inserção do princípio da igualdade de gênero em todas as ações governamentais, princípio que deve atravessar transversalmente as diferentes áreas de atuação, não significando, contudo, o estabelecimento de um setor específico voltado para garantir a igualdade nessa dimensão. A política de igualdade de gênero se formaliza universalmente na perspectiva de constituir-se como uma “corrente principal” (mainstream) que deve impregnar e condicionar todas as outras políticas de todos os âmbitos de atuação.
Uma outra tendência na gestão pública, particularmente no nível local, é a ampliação da participação da população. Embora, é importante registrar, essa participação venha ocorrendo em níveis variados em função, por um lado, dos projetos políticos dos governos, mais ou menos abertos a uma gestão democrático-participativa e, por outro, do grau de organização da sociedade vinculado ao estoque de capital social acumulado historicamente.
Apesar da variabilidade tanto quantitativa quanto qualitativa dessa participação, é inegável que ela vem sendo estimulada por diferentes razões.  No caso da gestão de políticas sociais, para além da noção de ampliação da gramática democrática com a ampliação de mecanismos de participação que se complementem aos instrumentos mais consolidados da democracia representativa, vários estudos e documentos mais prescritivos têm destacado a importância do envolvimento da população no processo decisório e na gestão das políticas sociais, como forma de garantir legitimidade e sustentabilidade das políticas, bem como maior eficácia das ações. Isso se justifica na medida em que as políticas sociais afetam diretamente a vida das pessoas e envolvem muitas vezes mudanças de comportamentos e de atitudes do público-alvo. Esse é o caso, por exemplo, das políticas voltadas para a inclusão social, as quais, além de buscar garantir o acesso a determinados serviços e ações públicas, devem atuar sobre aspectos não tangíveis da exclusão, como, por exemplo, o sentimento de baixa estima que costuma estar presente nos segmentos lançados nas diversas rotas da exclusão.
A atribuição de um papel ativo da população na identificação dos problemas e soluções a partir de suas necessidades específicas pode leva-la a tornar-se coadjuvante das ações públicas e na construção de objetivos coletivos